Semana de 25 a 31 de outubro de 2021
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Certa
vez, Karl Marx disse que o Estado é um “comitê que administra os negócios
comuns da classe burguesa como um todo”. Claro, esta é uma simplificação de uma
situação real que muitos observam: a esmagadora maioria das decisões dos
governantes beneficiam os mais ricos. Apesar de estar certo, uma boa visão do
que é o Estado burguês não é tão simples assim. Inspirado pela fala de André
Esteves, Sócio Sênior do BTG Pactual (banco fundado por Paulo Guedes, Ministro
da Economia no governo Bolsonaro), hoje falarei um pouco dos “bastidores” da
relação entre economia e política.
Para falar de Estado, precisamos antes saber o
porquê de ele existir. A razão fundamental da sua existência é intermediar os
conflitos que surgem na sociedade e legitimar o resultado desses conflitos com
o uso, dentre outros elementos, da força. Do ponto de vista econômico, o
principal conflito a ser mediado no capitalismo é a luta de classes. De um lado
estão os empresários, ávidos por lucro. Eles buscam utilizar ao máximo os
recursos produtivos que dispõem, dentre os quais, a força de trabalho. Do
outro, os trabalhadores, que buscam se unir para enfrentar uma possível ação
predatória vinda do patrão. Ao fim e ao cabo, este conflito é uma luta em torno
da apropriação da riqueza gerada pelos trabalhadores contratados pelos
capitalistas, pois o aumento da remuneração de um resulta na queda da
remuneração do outro. Frequentemente os trabalhadores perdem: nos salários, no
poder de compra (inflação) ou mesmo nos direitos adquiridos.
Porém,
esta não é a única disputa pela apropriação da riqueza travada no capitalismo.
Dentro da própria classe burguesa também há! Em outros tempos não muito
remotos, era comum a ladainha dos empresários dos setores industrial e
comercial criticando as elevadas taxas de juros praticadas no Brasil. Isto
porque os bancos são financiadores dessas empresas (e dos consumidores também,
mas isto fica para outra ocasião). Como consequência, os demais setores têm que
dividir os lucros com os bancos através do pagamento dos juros. Novamente, o
que é aumento de remuneração de um resulta na queda da remuneração do outro. A
diferença é que esta disputa é mais amena, apesar dos bancos deterem poder
econômico suficiente para sempre impor seus interesses.
Para
superar esses conflitos e ampliar ainda mais seus ganhos, algumas empresas se tornaram
capazes de, ao mesmo tempo, serem bancos, indústria e/ou comércio. São
megacorporações (muitas das quais têm o setor bancário como origem) que se
apropriam de uma parcela relativamente maior da riqueza social.
Nesse
contexto, podemos observar que a sociedade capitalista é bastante complexa. Há
classes sociais e fragmentos (frações) dessas classes que, ora tem conflitos,
ora tem concordâncias (e não apenas na “pauta econômica”, mas em outras pautas
também). Em cada momento histórico, em cada conjuntura, essas classes e frações
de classes conformam uma unidade contraditória, um bloco que assume as rédeas
do poder. Liderado pelos mais poderosos e associados a outros nem tanto assim,
este bloco no poder conduz o Estado. Esta direção normalmente não é feita de
forma direta, ou seja, os empresários não assumem o poder Estatal diretamente.
Eles delegam isto a políticos profissionais que tenham adesão (ideológica ou a
soldo) aos seus interesses.
Apesar
disso, ultimamente temos visto empresários “botando a mão na massa” e entrando
na política com o discurso de que são “gestores técnicos” e isentos de qualquer
vício. Conversa fiada. De uma forma ou de outra, os mais poderosos se utilizam
de tudo o que for possível para que seus interesses sejam atendidos, seja por
meio de instrumentos legais ou não, seja pelas próprias mãos ou pelas mãos dos
seus representantes, muitas vezes acionados em conversas particulares pouco
republicanas.
Voltando ao André Esteves, não surpreende ninguém que ele tenha influenciado pessoalmente integrantes do Executivo, do Legislativo ou mesmo do Judiciário na questão da independência do Banco Central. Eis o Estado burguês!
[i] Professor
do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB –
Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ana Isadora Meneguetti, Eduardo Oliveira da
Silva, Guilherme de Paula e Daniella Alves.
Muito interessante notar esse pacto velado (ou não) entre a elite e o governo que necessita de apoio. Parece cada vez mais que a "mão do mercado" não é invisível, pois tem nomes, donos e estes influenciam no poder.
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