sexta-feira, 3 de março de 2023

O Banco Central está errado, e não é de hoje...

Semana de 13 a 19 de fevereiro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Encerrando uma sequência de três semanas abordando o mesmo tema, hoje vou tratar de uma questão que está no debate atual, mas não é uma novidade: o “erro” do Banco Central do Brasil no combate à inflação. Desde que começou sua atual política de juros, em 17 de março de 2021, o BC tem sofrido severas críticas de alguns acadêmicos e analistas que perceberam, desde então, a ineficácia dessa medida. Até aquele momento, a taxa Selic estava em 2% ao ano. Em 16 de março de 2022, um ano depois, a Selic já estava em 11,75% a.a.

Quando o BC iniciou a escalada dos juros, a pandemia de Covid-19 já estava sendo combatida pelas diversas vacinas disponíveis. Porém, ainda não o suficiente para se organizarem as cadeias produtivas de diversos ramos ao redor do planeta. Faltavam componentes e insumos para setores específicos. Com isto, faltaram alguns produtos no mercado mundial e seus preços subiram.

Soma-se a isso o fato de que, também em 2021, houve a reabertura da maioria dos países, a retomada de algumas atividades econômicas e, com isso, maior especulação. Resultado: tivemos uma forte elevação nos preços de algumas mercadorias que o mundo todo usa e, por isso, têm seu preço definido pelo mercado mundial. Essas mercadorias são as famosas commodities e, basicamente, são produtos dos setores alimentícios, metais e combustíveis fósseis. Para o mundo todo, 2021 foi um ano de recuperação das perdas econômicas vividas em 2020. O mundo cresceu 6%, o conjunto das economias mais ricas cresceu 5,2%, o das emergentes cresceu 6,6% e o Brasil, apenas 4,6%.

Para piorar nossa situação, em 2021 o centro-sul brasileiro passou pela pior seca em 91 anos. Com isso, alguns produtos da agropecuária ficaram ainda mais caros. Por outro lado, como a matriz energética brasileira é majoritariamente hidroelétrica, faltou água para produzir energia. Com isso, inúmeras termoelétricas, que são mais caras e mais poluentes, foram ligadas. O resultado veio na conta de energia, que subiu.

Resumidamente, a política de juros do BC em 2021 estava errada. Tudo bem que a inflação medida pelo IPCA naquele ano foi de 10,1% e várias categorias de produtos tiveram seus preços elevados, mas a política de aumento de juros foi intensa demais. E o descalabro está aqui: subir os juros é “indicado” no combate à inflação quando esta é causada por excesso generalizado de demanda sobre a oferta. Este, nem de longe, era o caso brasileiro. A nossa inflação era, majoritariamente, de “custos”.

Mas, com o passar de 2022, será que a política monetária se tornou certa?

Quase um ano depois do começo da elevação dos juros, no final de fevereiro de 2022, começou um conflito que dura até hoje: a Guerra da Ucrânia. Com isto, devido à participação da Rússia e da Ucrânia no mercado de petróleo e derivados, houve uma escalada ainda maior nos preços dos combustíveis. Foi nesse período que a gasolina chegou a R$ 7,50 em alguns lugares do Brasil. Claro, a inflação deu uma acelerada, mas logo foi controlada. Não pelos juros. Na verdade, tanto os preços internacionais cederam, quanto o desespero do finado Bolsonaro o fez intervir no ICMS sobre os combustíveis, energia e outros bens. No fim do ano de 2022, o IPCA fechou em 5,78%. Os grandes “vilões” foram Alimentos e Bebidas (contribuição de 2,47%) e Saúde e cuidados pessoais (1,42%).

Se o IPCA cedeu e se concentrou em alguns tipos de produtos, o que teria motivado o BC a elevar a Selic para 13,75% em agosto de 2022? A justificativa certamente não está na atividade econômica. Segundo o IBGE, a economia nacional cresceu só 2,9% em 2022. Há quem diga que a manutenção da atual política monetária é para “dar sinais ao mercado” de que o BC é forte. Obviamente, isto não é justificativa “técnica”.

Em suma, o que temos chamado a atenção não é meramente um “erro” de política econômica, mas uma deliberada tentativa de tutela de um governo que propõe outras políticas que vão de encontro aos interesses dos que são representados pelo BC (que é, sim, um lócus de disputa econômica e, portanto, política). Retomando ao primeiro dos três textos que aqui encerro, pergunto novamente: quem deve pautar a economia brasileira, o BC, que representa o sistema financeiro, ou Lula, que representa mais de 60 milhões de votos?


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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