Semana de 22 a 28 de maio de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
No
último dia 25 de maio vimos algo que há tempos não acontecia: o presidente e o
vice-presidente da República se juntando para defender o papel da indústria na
dinamização da economia brasileira. Isto foi feito em um artigo de opinião
assinado por Lula e Alckmin no jornal “O Estado de São Paulo”.
Dentre
outras coisas que chamaram a atenção, destaca-se o termo oficialmente adotado:
“neoindustrialização”. Não tardou para muitos “analistas do mercado” criticarem
e desqualificarem as ideias. Para eles não há nada de “neo”, mas apenas a velha
e indevida (na opinião deles) tentativa de se reeditar a industrialização do
passado. Será?
Uma
das características fundamentais da organização industrial no século XX, quando
o Brasil se industrializou, era que a instalação de grandes empresas atraía
para seu entorno um conjunto complexo de fornecedores e clientes. Assim, a
produção industrial tendia a gerar um forte crescimento integrado e ramificado,
trazendo o “progresso” para determinadas regiões.
Por
sua vez, ao se expandirem para outros países, as empresas multinacionais
reproduziam um mesmo padrão de organização, onde prevalecia essa integração da
produção, a priorização do mercado local como destino dos produtos e, por isso,
a adaptação aos fornecedores e às necessidades de cada localidade onde se
instalava. Este padrão ficou conhecido como indústria multidoméstica, onde as
empresas se expandiam replicando em suas filiais a essência das estratégias
originadas nas matrizes.
Outro
elemento que vai diferenciar a velha e a nova industrialização é o paradigma
tecnológico dominante em dado momento histórico. No século passado, as empresas
que dominavam as tecnologias metal-mecânica-química eram aquelas com maiores
vantagens sobre as demais. O motivo é que as forças produtivas mais avançadas e
lucrativas estavam baseadas nessas tecnologias.
Nesse
contexto, para que a industrialização pudesse ocorrer por aqui, o Brasil
precisava criar as condições para a instalação de empresas nacionais e
multinacionais. Ou seja, era preciso extrair e beneficiar matérias-primas
minerais, produzir energia, desenvolver infraestrutura, etc. Por falta e
(muitas vezes) desinteresse do capital privado, o Estado assumiu o papel de
investidor direto e provedor de grande parte desses recursos. Ao mesmo tempo, o
setor público atuou como coordenador (via planos e projetos) e financiador (via
bancos públicos) dos investimentos.
A
questão é que nem o padrão de organização industrial dominante e nem o
paradigma tecnológico são mais os mesmos, desde a década de 1970. A indústria
multidoméstica foi substituída pelo padrão baseado em cadeias globais de valor
(CGV). Por sua vez, possibilitando o surgimento deste padrão e se desenvolvendo
junto com ele está o paradigma das tecnologias da informação e comunicação
(TIC).
Como
sabemos, o Brasil adentrou de maneira passiva e superficial nesta nova fase da
industrialização, na medida em que nossa adaptação às CGV foi liderada pelas
empresas estrangeiras e nossa inserção se deu como fornecedores de produtos
primários. Além disso, também não internalizamos a produção e desenvolvimento
de produtos ligados às TIC. Uma das causas disto é que, desde os anos 1990, os
grupos que comandaram o Estado brasileiro não viam na indústria um setor chave
para a economia. Por isso, não fizeram políticas efetivas em prol de um amplo
desenvolvimento industrial.
Para
piorar, como a economia é dinâmica, há cada vez mais indícios do surgimento de
uma reconfiguração nas cadeias de valor, fenômeno que vem sendo chamado de
“nearshoring”, “friendshoring” e “re-shoring”. Por outro lado, as questões
climáticas têm imposto uma agenda que pode levar a um novo paradigma tecnológico,
o da “economia verde”.
Longe de ser a reprodução do passado, a “neoindustrialização” é necessária para alcançarmos os atuais padrões produtivos internacionais e estarmos preparados para os próximos. Para isso, o Estado deve atuar de forma direta, seja investindo, coordenando ou financiando novas atividades. Resta saber se a burguesia brasileira vai ter interesse nesse projeto, afinal, vivemos no capitalismo e ela é quem vai ser a grande beneficiada.
[i] Professor
do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Miró Tosaka, Valentine Moura, Thomaz Cisneros, Lucas
Santos e Gustavo Figueiredo.