sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

ARMADILHA PARA O GOVERNO LULA: ENTRE O MERCADO E O CONGRESSO

Semana de 09 de dezembro até 13 de dezembro de 2024

 

Maria Fernanda Vieira Guimarães[i]

           

Semana passada, o Banco Central decidiu, pela infinitesimal vez seguida, aumentar a taxa Selic, dessa vez em 1 ponto percentual. As expectativas desancoradas, a insegurança do cenário internacional e a inflação brasileira, apesar de serem desafios reais, continuam servindo como pano de fundo e cortina de fumaça para as reais intenções dos dirigentes da política monetária no Brasil. A inflação, pressionada por aumentos nos preços de alimentação e bebidas (1,55% em novembro) e transportes (0,89%), permanece acima do teto da meta de 4,5%, acumulando alta de 4,87% em 12 meses, embora some 4,27% no acumulado de janeiro a novembro, um pouco abaixo do teto. A estratégia do Banco Central, no entanto, que falha em atacar as causas estruturais dessa inflação, prioriza  uma política restritiva, que compromete o crescimento econômico e o bem-estar da população.

Além de aumentar a taxa Selic em 1 ponto percentual, o Copom registrou em ata a intenção de continuar elevando os juros em mais 1 ponto percentual nos próximos dois meses. Esta decisão, mesmo sendo a última sob a presidência de Roberto Campos Neto, funciona como uma armadilha para o novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, indicado por Lula. A mensagem é clara: o mercado deve se acostumar com juros elevados, independentemente de mudanças na liderança. Enquanto isso, o aumento contínuo da Selic encarece o crédito, desestimula o investimento e aprofunda as desigualdades sociais.

Em um cenário político delicado, o governo federal luta para aprovar suas pautas no Congresso, onde as emendas parlamentares são a moeda de troca. Na semana passada, foram liberados R$ 477 milhões em emendas para destravar a pauta econômica e avançar com o pacote de ajuste fiscal proposto pela equipe econômica de Fernando Haddad. Esse “toma lá, dá cá” e, em certa medida, a própria governabilidade do governo Lula, em um congresso inflexível frente às suas demandas,veem-se ameaçados pela PEC proposta pelo líder do PL na Câmara dos Deputados. O Projeto em questão transforma emendas de comissão em emendas individuais obrigatórias, ameaçando aumentar os gastos públicos e restringir ainda mais a margem de manobra do Executivo.

Essa combinação de uma política monetária inflexível e uma gestão fiscal refém de interesses parlamentares mina qualquer perspectiva de ajuste estrutural. Recentemente, o PLP 68/2024, projeto de lei complementar da reforma tributária foi discutido no Senado e, depois de inúmeras concessões feitas e alterações, tais como a exclusão de armas, munições e bebidas açucaradas do imposto seletivo e o aumento de setores com alíquota reduzida, os senadores aprovaram o projeto de lei que agora volta para a Câmara dos Deputados. Fica claro que, em vez de simplificar o sistema e ampliar a arrecadação, as alterações promovidas pelos parlamentares tendem a manter privilégios e atender aos interesses específicos de suas bases eleitorais.

Enquanto isso, o Banco Central insiste no aumento de juros como única solução para conter a inflação, e o impacto real recai sobre os trabalhadores e os mais pobres. A alta nos preços dos alimentos corrói o poder de compra, enquanto os juros elevados sufocam qualquer fagulha de crescimento que, porventura, surja na economia brasileira. As projeções de inflação do Boletim Focus já ultrapassaram o limite da banda máxima projetada, e, em vez de equilibrado, temos um tripé macroeconômico manco, sustentado por uma política de juros altos, que sacrifica o crescimento em nome de um controle inflacionário ineficaz.

Em meio a desafios e negociações, o estado de saúde do presidente Lula adiciona uma camada de preocupação à conjuntura política e econômica do país. Sua recente internação, após queixas de dor de cabeça durante uma reunião com líderes da Câmara e do Senado, para viabilizar a aprovação do Pacote Fiscal, compromete a liderança do governo em um momento crítico para o Brasil. É lamentável que a saúde do presidente esteja debilitada. Desejamos a ele uma rápida e plena recuperação, para que possa continuar liderando os esforços por um país mais justo, equilibrado e resiliente.


[i] Pesquisadora do PROGEB e graduanda em Relações Internacionais pela UFPB (mafe.vg.2007@gmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Bruno Lins, Brenda Tiburtino, Guilherme de Paula e Raquel Silva.

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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

BRASIL CRESCE, MAS QUEM PERDE COM ISSO?

Semana de 02 a 08 de dezembro de 2024

 

Paola Teotônio Cavalcanti de Arruda[i]

           

O mercado, sempre tão entusiasmado com promessas de austeridade, recebeu o anúncio do pacote de corte de gastos do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com insatisfação e estardalhaço. O motivo da fúria? A inclusão inesperada da isenção do Imposto de Renda, para quem ganha até R$5 mil, no pacote. A preocupação era a de que tal medida reduzisse a arrecadação dos cofres públicos e diminuísse o efeito da redução de despesas gerado pela implementação dos cortes.

A “grande” preocupação dos rentistas brasileiros não se materializa nem na teoria, nem na prática, uma vez que, junto à proposta, já havia uma solução para a questão, baseada em números: a taxação na alíquota de 10% para quem possui renda acima de R$ 50 mil por mês - ou R$ 600 mil por ano. Assim, teoricamente, a contramedida agiria como um neutralizador, fazendo com que a arrecadação não fosse alterada.

Já na prática, boa parte dos “problemas” e “preocupações” do mercado com o gasto público seria resolvida com a redução dos gastos com os juros da dívida. De acordo com dados da Agência Brasil, estes gastos ficaram em torno de R$ 111,564 bilhões, até o mês de outubro deste ano, equivalendo a quase metade do orçamento público e a praticamente o dobro dos R$ 61,947 bilhões registrados em outubro de 2023.

Assim, pode-se dizer que, hoje, há no Brasil, um novo programa de transferência de renda, só que voltado à elite rentista: uma parte muito grande do orçamento fica retida no pagamento de juros altíssimos, enquanto despesas com saúde e educação são alvo de restrição. A contenção de gastos parece só ter serventia, se significar retirar de quem tem menos, ou seja, dar menos educação ao filho do pobre, piorar o acesso à saúde de quem não tem dinheiro para custear o próprio tratamento. Enquanto os cortes só podem atingir a parcela mais vulnerável da população, as receitas do Estado não devem, jamais, alcançar a parcela 1% mais rica do país, e os juros não podem, em hipótese alguma, cair – pois isso implicaria grande perda à elite do capitalismo financeiro.

Para o discurso econômico dominante, a “culpa” pela “inflação” brasileira e pelos “desequilíbrios fiscais” advém do próprio povo. O salário-mínimo aumentou, o nível de desemprego é o menor desde 2014, e a pobreza atingiu o menor patamar da série histórica, desde 2012. O brasileiro está comendo mais, comprando mais e, consequentemente, demandando mais. A economia está girando, o país está crescendo – acima do esperado – e a pressão sobre os preços pode ser contida com uma expansão da oferta. Coisa boa, correto?

Para o COPOM, erradíssimo! Veja bem, caro leitor, não sou eu quem está dizendo, foi o próprio Comitê de Política Monetária. Em nota, o Comitê registrou que o aumento na taxa de juros é necessário para atuar “na suavização das flutuações do nível de atividade e do pleno emprego”. Isso quer dizer que, para o órgão, nem o PIB pode subir muito, nem o desemprego descer demais. Através de eufemismos, o que o Comitê quis dizer foi que não se deve permitir que o país cresça.

O desespero vem em conjunto com os dados do desempenho econômico recente, que mostram que o crescimento do PIB superou consistentemente as previsões nos três últimos trimestres, indicando uma economia mais resiliente que o esperado. No primeiro trimestre, a projeção era de 0,7%, mas o crescimento real atingiu 1,1%. No segundo, a expectativa de 0,9% foi superada com um crescimento de 1,4%, enquanto no terceiro trimestre, o PIB cresceu 0,9%, acima da previsão de 0,8%.

Esse contexto revela um paradoxo: enquanto a economia brasileira dá sinais de vigor e supera expectativas, os atores do mercado financeiro e o próprio COPOM pretendem conter o crescimento e não o celebrar. A insistência em políticas que priorizam juros altos e cortes nos serviços essenciais reflete a escolha política de proteger os interesses de uma elite financeira em detrimento do bem-estar da maioria da população. Essa postura conservadora diante de avanços econômicos apenas reforça a desigualdade e limita o potencial de progresso coletivo.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Rubens Gabriel, Miguel Oliveira, Guilherme de Paula e Maria Júlia.

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quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

SELIC VERSUS CRESCIMENTO: DUAS TEORIAS EM CONFRONTO

Semana de 25 de novembro a 01 de dezembro de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Apesar de toda a complexidade da realidade local e internacional, há duas questões que ocupam o centro dos debates: o COPOM com a taxa de juros Selic, por um lado, e o crescimento ou resiliência da economia, por outro. As duas grandes questões não são apresentadas como opostas o que esconde o verdadeiro problema. A elevação da inflação, medida pelo IPCA-15, para novembro, mostrou um crescimento de 0,62%. Anualizado até este mês, isto representaria 4,47% acima do teto da meta de 4,5%. O Banco Central (BC) entrou em pânico. A Selic, que já havia sido aumentada de 10,75% para 11,25%, passou a ser estimada em valores em torno dos 13%. O “mercado”, faminto de juros, já urra exigindo novos aumentos. Aponta como causa da inflação o crescimento da economia, promovido pela política fiscal expansionista do governo, as políticas sociais, com a transferência de renda, os aumentos do salário-mínimo, o aumento do emprego etc. Segundo o BC, tudo isto provoca o aumento da demanda e este aumento é o responsável pelo crescimento da inflação. Justificam com a velha e caduca lei da oferta e procura, que eu chamo de “lei do Biu de Riachão de Bacamarte”: quando a procura aumenta, os preços sobem. Eis o raciocínio primário. Segundo esta teoria, a única solução para conter a inflação é reduzindo a procura. E como fazê-lo? Chame o poderoso Banco Central. Ele consulta seus inspiradores e apresenta a única solução que conhece, pois está nos manuais: elevar a taxa de juros para deter o consumo e os investimentos. Trata-se, portanto, de uma questão de teoria econômica. Este é o remédio que tem sido aplicado e que continuará a sê-lo.

Agora, a outra preocupação do “mercado”. Com efeito, a economia, apesar de todos os entraves, continua crescendo teimosamente. É resiliente, para utilizar uma palavra muito querida hoje. Depois de crescer 1,4%, no segundo trimestre, voltou a crescer 0,9%, no terceiro (julho a setembro). Os investimentos cresceram 2% e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), 2,2%. Com isto, o Ministério da Fazenda elevou a previsão de crescimento do PIB deste ano, de 3,2%, para 3,3%. A taxa de inflação também foi elevada, de 4,25%, para 4,4%, ainda dentro do teto da meta. Para o ministério isto não é preocupante, pois o crescimento atual da inflação se deve a fatores sazonais e ao câmbio e está sob controle.

O crescimento da economia, porém, se deve ao aumento dos investimentos privados, ou seja, apesar de todo o berreiro, os empresários sabem como ganhar dinheiro e não querem perder as oportunidades. Não só os nacionais, mas também os estrangeiros. No primeiro semestre, o Brasil está em segundo lugar no mundo, como principal destino para os Investimentos Diretos Estrangeiros. Internamente, o ambiente dos negócios permanece favorável. Um levantamento feito pelo Valor Data, com 399 empresas não financeiras, mostrou ganhos de 84% nos lucros, no segundo trimestre. Segundo Daniel Gewehr, estrategista chefe para a América Latina do Itaú BBA, “os resultados mostram que a economia continua bastante robusta”. O crescimento da economia deve-se à dinâmica gerada por suas próprias leis. Este movimento tem, certamente, sido estimulado pelas medidas tomadas pelo governo e mesmo pela própria existência de um Estado que cumpre com suas funções administrativas, e tem um projeto de melhorar as condições de vida de um povo, diferentemente do anterior, que primou pela incompetência e imobilidade. A política econômica adotada pelo governo atual tem por base uma teoria econômica: o desenvolvimentismo. O caminho para combater a inflação não é, portanto, reprimindo a demanda, mas estimulando a oferta. Cumprindo as promessas de campanha, o governo precisa promover o desenvolvimento, reduzir a fome, aumentar o emprego, os rendimentos dos trabalhadores, melhorar a educação, a saúde, as condições de moradia etc.

A pretexto de combater a inflação elevando a taxa Selic, o que se pretende, na verdade, é prejudicar o governo, desgastando sua imagem, mesmo que para isto seja necessário impedir o crescimento, aumentar o desemprego e a fome, reduzir os salários, destruir a economia do país. Eis o que se esconde por trás do debate sobre inflação x Selic.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Brenda Tiburtino, Lara Souza e Guilherme de Paula.

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