quinta-feira, 8 de abril de 2010

A contenção do déficit orçamentário: missão impossível?

Semana de 15 a 21 de março de 2010

Não há grandes novidades a referir quanto ao momento que a economia mundial está atravessando. Continuamos na marcha lenta, sofrida, contraditória, de uma fase de recuperação muito especial. Já alertamos os leitores para isto e o quadro atual confirma as nossas previsões. O desemprego permanece estável. A Organização Mundial do Trabalho divulgou um estudo mostrando que, entre o primeiro e o terceiro trimestre de 2009, sem considerar a Índia e a China, desapareceram 16 milhões de empregos no mundo. O estudo cobriu 56 países, que respondem por 70% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Deste total de desempregados, 9,4 milhões corresponderam ao setor industrial. Mas não é só isso. As empresas estão descapitalizadas, os bancos ainda amargam os prejuízos decorrentes de suas aventuras especulativas e os governos estão falidos. A avalanche de recursos que se espalhou na tentativa de salvar o sistema financeiro teve um efeito extremamente perverso: impediu que a crise cumprisse integralmente o seu papel de sanear as economias e destruir o capital excedente incapaz de produzir lucro. O que fazer agora?
A Comissão Européia (CE), órgão executivo da União Européia (UE), vem tentando desesperadamente por ordem na casa. Vários alertas têm sido emitidos na tentativa de controlar os déficits orçamentários e mantê-los dentro do limite de 3% do PIB, como está determinado por todos os países da UE. A tarefa torna-se inglória, pois a própria Alemanha, principal defensora da restrição, vem lutando, sem sucesso, para controlar o seu déficit, que está estimado em 5,5%, para o ano de 2010. Eles já falam até em cortar os gastos com a defesa. A CE expressa suas desconfianças em relação aos cálculos feitos para as previsões de crescimento do PIB de países como Alemanha, França, Itália e Espanha. Indaga também como a Espanha conseguirá reduzir o seu déficit, que é estimado em 11,4% do PIB em 2010, para 3% em 2013. Além disso, questiona as medidas propostas pela Áustria, Bélgica, Irlanda e Holanda para ajustar seus “rombos” aos 3% permitidos. E isto para não falar na Grécia, caso mais grave do bloco. E não é para menos. A desconfiança espalha-se, e todos procuram esconder seus déficits manipulando as contas nacionais, enquanto procuram cortar despesas. Alguns, como Portugal e Grécia, já decidiram congelar os salários dos funcionários e agora enfrentam os movimentos sociais de protesto. O pânico do rombo dos orçamentos levou os 27 países membros da UE a decidir retirar gradualmente, a partir da segunda metade deste ano, os estímulos fiscais de emergência adotados nos anos de crise, mesmo correndo o risco do duplo mergulho.
Por seu lado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) sugere, aos países do G-20, um ajuste fiscal através do corte de despesas e de um aumento de receitas de 6% ao ano durante os próximos 20 anos. O objetivo é passar de um déficit de 3,5% do PIB, em 2010, para um superávit de 4,5% em 2020. Preocupado, o presidente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, lamentou-se, em um pronunciamento feito no Parlamento Europeu, dizendo que, 18 meses após o início da crise, “estamos em um crítico momento da história”.
Para aumentar as receitas, outra fonte vem sendo sugerida: a venda das participações que os governos têm em empresas nacionais. Prevê-se uma nova onda de privatizações no desespero da busca do equilíbrio orçamentário.
Nos EUA, voltam a surgir notícias de recuperação da economia, mas apenas com estabilização do desemprego e algum aumento dos gastos das empresas com equipamentos. Apesar desses sinais, o Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, resolveu manter a taxa de juros básica no mesmo nível atual, isto é, entre zero e 0,25%. No entanto, a economia enfrenta novas dificuldades diante do deslocamento de setores de alta tecnologia para a China, como a Applied Materials, uma importante empresa do Vale do Silício que está se transferindo para lá com os olhos no novo mercado e à procura de vantagens como o os baixos salários e os subsídios oferecidos pelo governo. Este é o caso também da NatCore Technology de Nova Jersey, que trabalha com energias alternativas.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a taxa de decrescimento do PIB do país ou, eufemisticamente, a taxa de “crescimento negativo” (como rabo de cavalo), de -0,2% para 2009. Nenhuma autoridade do país veio a público pedir desculpas por terem iludido todo o povo prometendo uma taxa de crescimento do PIB de 4% ou 5% para o ano. Onde se esconderam os Mantegas, Bernardos, Meirelles, Lulas e instituições como o próprio Ipea?
Ainda sob o impacto do fiasco, a contragosto, o Banco Central do Brasil (BCB), na reunião do Copom, por apertada maioria, resolveu imitar o Fed americano e manter a taxa de juros básica (Selic). A pequena diferença é que o Fed manteve os 0,25%, e o nosso BC, os aberrantes 8,75%.
Mas o ambiente econômico apresenta-se otimista. Os estímulos dados pelo governo estão cumprindo sua função. O mês de março caminha para bater o record na venda de carros, pois é o último mês de IPI reduzido, e as empresas automobilísticas estão fazendo todo tipo de promoção. A Fiat ampliou os prazos de financiamento de seus veículos para 72 meses. A Ford resolveu não cobrar entrada e adiar o pagamento da primeira prestação para depois da Copa, no que foi imitada pela Voskswagen, e a GM promete reduzir o IPI em dobro. A sobretaxa de US$ 13,80 para cada par de sapatos importados da China, criada pelo governo, animou a indústria de calçados a voltar a investir visando as exportações. Já a agroindústria não teve a mesma felicidade. A lei Kandir que isenta de ICMS apenas os produtos primários para exportação, facilita os exportadores de grãos e pune a agroindústria, que perde a competitividade.
O BNDES, por seu lado, cumprindo as determinações do governo, esforça-se despejando R$ 18,2 bilhões nos estaleiros, financiando a produção de navios para apoio à exploração de petróleo e gás. O desembolso total do BNDES, em 12 meses encerrados em fevereiro, chegou a R$ 143,3 bilhões, 53% a mais que no mesmo período anterior. A construção civil, com a ajuda dos financiamentos da Caixa e do Banco do Brasil, está em grande expansão, estimulando os setores a ela ligados e assumindo a liderança na criação de empregos.
Com este embalo, o problema é saber até quando o orçamento do país suportará manter os estímulos e se eles continuarão a produzir os efeitos desejados pelo menos até as eleições.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
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