quarta-feira, 2 de março de 2011

A culpa é da inflação

Semana de 21 a 27 de fevereiro de 2011

O ex-presidente Lula deixou uma herança que o novo governo teve que engolir: a ameaça da inflação. A farra de gastos no período eleitoral, se bem que tenha dado uma importante contribuição para ganhar as eleições, significou o aumento das despesas do estado e da dívida pública. Assim, ao terminar o ano de 2010, não se havia cumprido a meta de superávit primário (diferença entre receita e despesas do estado antes do pagamento de juros).

Iniciado 2011, a ameaça se transformou em realidade. A inflação bate à porta e com força. Ora, começar um mandato tendo como objetivo maior o combate à inflação não é das coisas mais agradáveis, até porque as medidas que constam do receituário oficial são antipopulares. É consenso entre os analistas do governo que a inflação ficará bem acima do centro da meta de 4,5%. De acordo com o sistema adotado pelo Banco Central (BC), a faixa tolerada para a inflação vai de 2,5% a 6,5%, isto é, 2 pontos percentuais acima e abaixo de 4,5%, que é considerada a meta procurada. Para atingir esta meta, todos pensam que não basta apenas aumentar os juros, o aumento deve vir inevitavelmente acompanhado das tais medidas macroprudenciais.

Com os juros em alta, a farra financeira deve continuar para a felicidade dos agentes econômicos do sistema financeiro. O Itaú-Unibanco divulgou um lucro de R$ 13,32 bilhões em 2010, 32,3% superior ao mesmo período do ano anterior, enquanto o setor produtivo agoniza. A indústria brasileira de embalagens, termômetro da atividade econômica, por exemplo, depois de uma expansão de 10,13% em 2010, espera crescer apenas 2,2% este ano. É consensual a desaceleração da economia que vem sendo observada. As previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) vão sendo revistas para abaixo dia após dia, apesar das garantias dadas pelo ministro da Fazenda Guido Mantega de que não é objetivo do governo deprimir a atividade econômica, mas acomodá-la.

Para tecer comentários sobre a eficácia das medidas que vão sendo adotadas, a grande questão que se põe é saber a origem da aceleração inflacionária atual. Culpados são indicados por todos os lados: o reajuste de 16% no piso salarial dos docentes da rede pública, o aumento do salário mínimo, o excesso de gastos públicos, as pressões sazonais, o descompasso entre oferta e demanda, o aumento dos preços das commodities, a crise nos países produtores de petróleo do mundo árabe, a melhor distribuição de renda, etc.

Agora, mais um vilão é apontado: o setor de serviços, que apresentou alta no preço dos alugueis, transportes e mensalidades escolares, ou seja, a culpa é dos preços livres.

E os preços administrados (preços controlados pelo governo)? Parece que, propositadamente, eles são esquecidos. Do total do IPCA do ano passado, os preços administrados foram responsáveis por 3,13% e, segundo estimativas para 2011, a inflação destes preços deve corresponder a uma parcela de 4,5%. Como combater um monstro que o próprio governo está ajudando a criar?

Por outro lado, o Banco Central ainda tem que lidar com outro mal assombrado: a questão cambial. Mesmo com as intervenções diárias que a instituição tem feito no mercado, através da compra de divisas, tanto à vista como a termo, a taxa de câmbio não reage e o dólar teima em desvalorizar-se. Enquanto isso, a enxurrada de dólares continua vindo do exterior. Em janeiro, foram quase US$ 3 bilhões e, até 21 de fevereiro, este montante já ultrapassava os US$ 3,6 bilhões. Desesperado para impedir que o dólar se dissolva, o BC intervém no mercado. Para retirar os dólares que entram, o BC tem de comprá-los injetando dinheiro na economia. Este dinheiro ou vem de emissões de moeda ou da venda de títulos do tesouro que rendem algum tipo de remuneração cujo montante situa-se em torno da Selic (atualmente em 11,25%). Além de contribuir para a inflação e aumentar a dívida pública, o BC tem que arcar com o custo de manutenção das reservas, que, segundo a própria autoridade monetária, foi de R$ 26,6 bilhões em 2010.

Para combater os monstros que insistem em aparecer, opta-se então pelo caminho mais fácil: fazer cortes no orçamento e aumentar as taxas de juros, afinal esta é a receita de bolo que é aplicada em todas as economias. Como o fechamento desta coluna acontece na terça-feira e a reunião do Copom será realizada na quarta, o leitor já deverá ter conhecimento de mais uma alta da taxa de juros que, segundo as estimativas, deverá situar-se entre 0,5% e 0,7%. Será mesmo tudo culpa da inflação?

Texto escrito por:

Rosângela Palhano Ramalho: Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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