quarta-feira, 23 de março de 2011

A Odisséia brasileira

Semana de 14 a 20 de março de 2011

Não é de hoje que sabemos das divergências ideológicas dentro do governo Dilma. Isto se manifestou antes mesmo de sua posse, logo depois da eleição, quando se especulava sobre a indicação de alguns nomes para pastas importantes do executivo, tais como Antonio Palocci, José Dirceu, Henrique Meirelles, Guido Mantega, dentre outros. Com o objetivo de agradar a Gregos e Troianos, Dilma compôs um governo, de certa forma, heterogêneo, ao manter o ministro da Fazenda e nomear Palocci para a Casa Civil.

Guido Mantega é um economista de formação e doutor em Sociologia do Desenvolvimento. Até meados de 1980, era um simpatizante das teses desenvolvimentistas, até que, nas últimas décadas, mudou um pouco seu pensamento e se aproximou das idéias neoliberais de esquerda. Antonio Palocci, por sua vez, é médico de formação e desde o início da década de 1990 é político. Cada um deles desempenha um papel semelhante como defensores de interesses contraditórios. De um lado temos Mantega, ainda simpatizante do desenvolvimentismo e, por isso, aliado dos empresários da indústria. Do outro lado temos Palocci, alinhado com as idéias neoliberais ortodoxas, e, por isso, porta vós do setor financeiro internacional. Com a nomeação dos dois, a presidenta procurou uma trajetória equilibrada para a política econômica, que satisfizesse os interesses das duas principais esferas do capitalismo atual: a industrial e a financeira.

Mas esta não é uma questão nova. Foi na era FHC que o setor financeiro começou a ter mais peso nas decisões sobre as políticas econômicas. No governo Lula, isto foi acentuado. Seja para investimento ou consumo pessoal, o preço da mercadoria oferecida pelos bancos (os empréstimos) é o juro, e é através da mudança nas taxas de juros que os bancos gerenciam as suas receitas. Sabendo disso, veja o que ocorreu durante os primeiros anos do PT na presidência. Segundo a Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Estado do Paraná, entre 2003 e 2010, os lucros nominais dos cinco maiores bancos que atuam no Brasil cresceram 312,5%, saltando, de R$ 11,2 bilhões, para R$ 46,2 bilhões. Como bem sabemos, as mudanças na taxa básica de juros são determinadas pela famosa política do Saci-Macroeconômico, que tem como único pé a estabilidade dos preços. Outra coisa que bem pouca gente sabe é que, até o ano passado, o BC era dirigido, também, por funcionários dos bancos privados, os chamados "agentes do mercado".

Pois bem, dentro do atual governo, até agora, é consenso a manutenção do Saci, porém há uma considerável discordância quanto à medida e aos meios de aplicá-lo. Dilma já bateu o pé (os dois) dizendo que o centro da meta é o objetivo para a inflação. Os principais agentes executores são o ministro Mantega e o Presidente do BC, Alexandre Tombini. Mas o setor financeiro, acostumado com o modelo de gestão anterior, não está confiante na atual gestão do BC, que só tem em sua diretoria funcionários de carreira, não explicitamente ligados ao setor privado. O argumento utilizado é o de que as medidas macroprudenciais não são um sinal claro de que haverá pulso firme no combate à inflação. Para a LCA consultores, Quest Investimentos, J.P. Morgan, Itaú/Unibanco, Santander, Bradesco e Federação Brasileira dos Bancos, o aumento dos juros é o instrumento certo para conter a demanda, que, segundo eles, ainda está superaquecida.

Mas, além do próprio governo, alguns setores discordam do panorama da conjuntura econômica. Dilma já declarou que a inflação atual não é de demanda, sendo, na verdade, fruto de um desequilíbrio entre alguns setores, tais como o de commodities e dos preços administrados. O setor industrial também partilha desta idéia, ao afirmar que, na realidade, a economia está em processo de desaceleração. A Confederação Nacional da Indústria projeta, para este ano, um crescimento de 4,5% para a indústria, enquanto no ano passado este indicador registrou alta de 10,1%. Além de a produção industrial ter se elevado apenas 0,2% entre janeiro de 2011 e dezembro de 2010, o faturamento na indústria caiu 1,3% no mesmo período. Somam-se a isso os fatos de que, desde dezembro de 2010, a utilização da capacidade instalada efetiva está abaixo da usual para cada mês e que, no mês de fevereiro, os índices que representam o nível dos estoques se elevaram.

O que veremos nos próximos meses será uma Odisséia. Como Menelau e Páris, Palocci e Mantega irão travar uma dura batalha dentro do governo para defender os interesses maiores que os movem: conquistar Helena, a política econômica, e levá-la para o seu lado.

Quem vencerá?

A presidenta Dilma já declarou: ou eles se entendem ou morrerão os dois.

Serão conciliáveis os interesses por eles representados? É o que vamos ver!


Texto escrito por:

Lucas Milanez de Lima Almeida: Mestre em Economia, professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.)

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