Semana de 20 a 26 de abril de 2020
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Ainda é cedo para sabermos se a crise atual
resultará em mudanças reais na vida das pessoas. Uma coisa, contudo, parece
estar clara para boa parte da classe trabalhadora: ela perdeu um pouco da paz
que já não tinha. Desde sempre, o local de trabalho era onde tínhamos que ser
produtivos de alguma forma. Já há algumas décadas que o telefone celular virou
outro “local” onde também precisávamos ser produtivos. Hoje, parte dos
trabalhadores têm de ser produtivos no único local de provável descanso: sua
casa.
Entretanto, a sensação dos que estão confinados é
quase sempre de não dar conta do recado. Isto piora quando o indicador de
produtividade se restringe apenas àquilo que é “office”, seja na “home” ou não.
Atividades domésticas cotidianas, por exemplo, não são contabilizadas como
produtivas: cozinhar, limpar, organizar, educar, ensinar, etc. Isto porque, em
tempos normais, uma parte dessas atividades são “terceirizadas”. Ou seja, são
necessárias à “produção” da nossa vida, mas concedemos sua execução a outras pessoas.
Claro, mediante o pagamento.
Na situação de quarentena na qual nos encontramos, a
oferta desses serviços está consideravelmente restrita. Por isso, os
trabalhadores que antes desfrutavam dessa possibilidade não poderão mais
dividir suas tarefas domésticas com outrem. Então, a questão que se coloca é:
como será possível ao trabalhador sob regime de home office manter sua
produtividade na home e no office ao mesmo tempo? A resposta é a de sempre para
os momentos de colapso do capitalismo: a classe trabalhadora será
sobrecarregada e levará em suas costas a salvação desse sistema.
Essa situação, contudo, não se restringe ao lado do
trabalhador. E essa nem é a questão central do problema, pois será revertida
quando a quarentena acabar. Lógico que para o patrão as coisas também mudam. A
primeira dificuldade dele é obter do empregado o mesmo resultado que tinha no
período de normalidade. Coitado, a produção total de sua empresa tende a cair,
caindo também as receitas e o lucro...
Entretanto, o caro leitor já pensou se no home
office o patrão é quem fornece as condições materiais para a execução do
trabalho? Por exemplo, é o empregador quem compra o computador ou o celular que
será usado no home office? A isso se soma qualquer equipamento ou máquina e sua
manutenção. O patrão pagará a parte da conta de energia e de água que
corresponde ao período da jornada do home office? A isso se soma qualquer
matéria prima ou material auxiliar e os gastos com sua gestão. Se o trabalhador
se lesionar em casa no horário do home office, isso será reconhecido como
acidente de trabalho? Aqui se soma qualquer tipo de direito ou assistência
garantidos por lei.
Obviamente, isso tudo significa menores custos para
a execução das atividades de uma empresa. Professores, contadores, advogados,
médicos, programadores e uma série de outras profissões estão sujeitas a isso.
Pior do que em um posto de gasolina “self-service”, que reduz o custo com o
frentista ao transferir o trabalho deste para o cliente, o “home office”
encarrega o trabalhador de fornecer não só seu suor ao patrão, mas também parte
dos meios de produção necessários ao trabalho.
Mas esses “avanços” não são novidade. O fenômeno da
“Uberização” já vem sendo estudado há algum tempo. Basicamente, um trabalhador
(o motorista) está vinculado a um aplicativo (o Uber) que busca clientes (os
passageiros) para ele. O carro, o combustível, o telefone, o bombom, a água e
basicamente tudo o que o motorista oferta ao passageiro é o próprio motorista
quem paga. Por isso a ilusão de que é seu próprio patrão. Mas, quem estabelece
a remuneração do trabalhador (motorista) e o preço do serviço pago pelo cliente
(passageiro)? O aplicativo, que não quer ser chamado de patrão...
Esses e outros elementos nos permitem afirmar que
parte dos trabalhadores que estão em casa hoje, provavelmente lá ficarão quando
a pandemia passar. Para além do que vem causando, a “crise do coronavírus”
acelerou essa fase de um processo que nunca cessou no capitalismo: o de
intensificação da exploração do trabalhador.
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com;
lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.
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