quarta-feira, 29 de abril de 2020

Os “benefícios” do home office


Semana de 20 a 26 de abril de 2020

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Ainda é cedo para sabermos se a crise atual resultará em mudanças reais na vida das pessoas. Uma coisa, contudo, parece estar clara para boa parte da classe trabalhadora: ela perdeu um pouco da paz que já não tinha. Desde sempre, o local de trabalho era onde tínhamos que ser produtivos de alguma forma. Já há algumas décadas que o telefone celular virou outro “local” onde também precisávamos ser produtivos. Hoje, parte dos trabalhadores têm de ser produtivos no único local de provável descanso: sua casa.
Entretanto, a sensação dos que estão confinados é quase sempre de não dar conta do recado. Isto piora quando o indicador de produtividade se restringe apenas àquilo que é “office”, seja na “home” ou não. Atividades domésticas cotidianas, por exemplo, não são contabilizadas como produtivas: cozinhar, limpar, organizar, educar, ensinar, etc. Isto porque, em tempos normais, uma parte dessas atividades são “terceirizadas”. Ou seja, são necessárias à “produção” da nossa vida, mas concedemos sua execução a outras pessoas. Claro, mediante o pagamento.
Na situação de quarentena na qual nos encontramos, a oferta desses serviços está consideravelmente restrita. Por isso, os trabalhadores que antes desfrutavam dessa possibilidade não poderão mais dividir suas tarefas domésticas com outrem. Então, a questão que se coloca é: como será possível ao trabalhador sob regime de home office manter sua produtividade na home e no office ao mesmo tempo? A resposta é a de sempre para os momentos de colapso do capitalismo: a classe trabalhadora será sobrecarregada e levará em suas costas a salvação desse sistema.
Essa situação, contudo, não se restringe ao lado do trabalhador. E essa nem é a questão central do problema, pois será revertida quando a quarentena acabar. Lógico que para o patrão as coisas também mudam. A primeira dificuldade dele é obter do empregado o mesmo resultado que tinha no período de normalidade. Coitado, a produção total de sua empresa tende a cair, caindo também as receitas e o lucro...
Entretanto, o caro leitor já pensou se no home office o patrão é quem fornece as condições materiais para a execução do trabalho? Por exemplo, é o empregador quem compra o computador ou o celular que será usado no home office? A isso se soma qualquer equipamento ou máquina e sua manutenção. O patrão pagará a parte da conta de energia e de água que corresponde ao período da jornada do home office? A isso se soma qualquer matéria prima ou material auxiliar e os gastos com sua gestão. Se o trabalhador se lesionar em casa no horário do home office, isso será reconhecido como acidente de trabalho? Aqui se soma qualquer tipo de direito ou assistência garantidos por lei.
Obviamente, isso tudo significa menores custos para a execução das atividades de uma empresa. Professores, contadores, advogados, médicos, programadores e uma série de outras profissões estão sujeitas a isso. Pior do que em um posto de gasolina “self-service”, que reduz o custo com o frentista ao transferir o trabalho deste para o cliente, o “home office” encarrega o trabalhador de fornecer não só seu suor ao patrão, mas também parte dos meios de produção necessários ao trabalho.
Mas esses “avanços” não são novidade. O fenômeno da “Uberização” já vem sendo estudado há algum tempo. Basicamente, um trabalhador (o motorista) está vinculado a um aplicativo (o Uber) que busca clientes (os passageiros) para ele. O carro, o combustível, o telefone, o bombom, a água e basicamente tudo o que o motorista oferta ao passageiro é o próprio motorista quem paga. Por isso a ilusão de que é seu próprio patrão. Mas, quem estabelece a remuneração do trabalhador (motorista) e o preço do serviço pago pelo cliente (passageiro)? O aplicativo, que não quer ser chamado de patrão...
Esses e outros elementos nos permitem afirmar que parte dos trabalhadores que estão em casa hoje, provavelmente lá ficarão quando a pandemia passar. Para além do que vem causando, a “crise do coronavírus” acelerou essa fase de um processo que nunca cessou no capitalismo: o de intensificação da exploração do trabalhador.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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