Semana de 19 a 25 de julho de 2021
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Em
2018 defendi uma tese de doutorado que apresentou o argumento central de que a
desindustrialização é um efeito da nova divisão internacional do trabalho. O
link dela está aqui. Calma, caro leitor, vamos por partes...
Defini
a desindustrialização como uma redução do papel que a indústria exerce na
dinamização da atividade econômica geral de um país. Ou seja, a indústria perde
considerável importância na criação de emprego, renda, insumos, bens de capital
etc. Já a divisão internacional do trabalho é a forma como o capitalismo se organiza
ao redor do planeta para produzir e distribuir as mercadorias que precisa para
funcionar.
Sempre
foi claro o papel que cada grupo de países exercia no mercado mundial: as
economias centrais se destacavam como vendedoras de produtos industrializados e
as periféricas como vendedoras de matérias primas. Porém, a partir da 2ª Guerra
Mundial, houve uma mudança nesse quadro tão bem delineado. Alguns países da
periferia passaram a produzir parte significativa dos produtos industrializados
que precisavam. Inclusive, houve aqueles que conseguiam até exportar para seus
vizinhos, como no caso do Brasil. Claro, esses países periféricos não
alcançaram o mesmo nível dos países centrais. Pelo contrário, as empresas dos
países da periferia mantiveram-se atrasadas em termos tecnológicos porque
tiveram que se subordinar às estratégias das empresas multinacionais, que
vinham dos países avançados.
A
partir das últimas décadas do século passado, uma mudança qualitativa ocorreu
na divisão internacional do trabalho: surgiram as chamadas cadeias globais de
valor (CGV), também chamadas de cadeias produtivas mundializadas. Com elas, o
processo produtivo foi “fatiado” e as fases desse processo passaram a ser
executadas em diferentes locais do planeta. Em outras palavras, a atividade
industrial, que antes era concentrada em determinadas localidades e tinha como
principal atração a proximidade com fornecedores ou consumidores, agora ocorre
simultaneamente em diferentes países.
Essa
nova configuração da divisão internacional do trabalho é comandada pelas
empresas multinacionais sediadas nos países centrais, pois elas continuam na
vanguarda do avanço tecnológico. A diferença em relação ao passado é que,
agora, as matrizes lideram não apenas suas subsidiárias, mas empresas de terceiros
dispersas geograficamente. Para isso dar certo, um conjunto cada vez mais
sofisticado de meios de comunicação e de transporte são fundamentais. Não à toa
que esta forma de organização da produção em escala planetária se organizou na
chamada Era da Informação.
A
indústria automobilística é um grande exemplo de como isto ocorre atualmente.
Mais especificamente, a indústria de automóveis no Brasil. Apesar de ainda
estar sendo costurado, o Mercosul e a União Europeia estão se preparando para
assinar um acordo onde os países do bloco sul-americano passarão a comprar
carros europeus sem qualquer imposto (15 anos depois que assinarem o acordo).
Na prática, isto significa que boa parte das indústrias que montam carros no
Brasil, em breve, irá fechar suas portas. O setor, que já hoje ocupa menos da
metade da sua capacidade de montar carros, vai se reduzir a quase nada. O
motivo: ao invés de produzir aqui, vamos importar da Europa.
Aí
surge a pergunta: mas as empresas que estão instaladas no Brasil vão deixar? O
lobby vai permitir? Caro leitor, não esqueça que são as mesmas empresas que
deixarão de produzir aqui e passarão a exportar seus carros da Europa para
cá... E elas vão ter 15 anos para recuperar os investimentos já realizados por
aqui... Por outro lado, significa que todas as atividades do setor
automobilístico vão se acabar no Brasil? Certamente que não, pois temos
abundância de ferro e, consequentemente, aço e seus produtos. Como vimos, as
CGV fatiam a produção e as distribuem por aí. Com certeza continuaremos
competitivos nessas atividades. Mas o carro, este não será mais nosso. E olhe
que eu nem falei sobre a mudança para o uso dos motores elétricos. Isso fica
para outro momento...
Ah! A
contrapartida do acordo.
Exportaremos mais café solúvel, soja, açúcar etc. para a Europa...
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella
Alves.
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