quarta-feira, 28 de julho de 2021

O Acordo Mercosul-União Europeia e a desindustrialização brasileira

Semana de 19 a 25 de julho de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Em 2018 defendi uma tese de doutorado que apresentou o argumento central de que a desindustrialização é um efeito da nova divisão internacional do trabalho. O link dela está aqui. Calma, caro leitor, vamos por partes...

Defini a desindustrialização como uma redução do papel que a indústria exerce na dinamização da atividade econômica geral de um país. Ou seja, a indústria perde considerável importância na criação de emprego, renda, insumos, bens de capital etc. Já a divisão internacional do trabalho é a forma como o capitalismo se organiza ao redor do planeta para produzir e distribuir as mercadorias que precisa para funcionar.

Sempre foi claro o papel que cada grupo de países exercia no mercado mundial: as economias centrais se destacavam como vendedoras de produtos industrializados e as periféricas como vendedoras de matérias primas. Porém, a partir da 2ª Guerra Mundial, houve uma mudança nesse quadro tão bem delineado. Alguns países da periferia passaram a produzir parte significativa dos produtos industrializados que precisavam. Inclusive, houve aqueles que conseguiam até exportar para seus vizinhos, como no caso do Brasil. Claro, esses países periféricos não alcançaram o mesmo nível dos países centrais. Pelo contrário, as empresas dos países da periferia mantiveram-se atrasadas em termos tecnológicos porque tiveram que se subordinar às estratégias das empresas multinacionais, que vinham dos países avançados.

A partir das últimas décadas do século passado, uma mudança qualitativa ocorreu na divisão internacional do trabalho: surgiram as chamadas cadeias globais de valor (CGV), também chamadas de cadeias produtivas mundializadas. Com elas, o processo produtivo foi “fatiado” e as fases desse processo passaram a ser executadas em diferentes locais do planeta. Em outras palavras, a atividade industrial, que antes era concentrada em determinadas localidades e tinha como principal atração a proximidade com fornecedores ou consumidores, agora ocorre simultaneamente em diferentes países.

Essa nova configuração da divisão internacional do trabalho é comandada pelas empresas multinacionais sediadas nos países centrais, pois elas continuam na vanguarda do avanço tecnológico. A diferença em relação ao passado é que, agora, as matrizes lideram não apenas suas subsidiárias, mas empresas de terceiros dispersas geograficamente. Para isso dar certo, um conjunto cada vez mais sofisticado de meios de comunicação e de transporte são fundamentais. Não à toa que esta forma de organização da produção em escala planetária se organizou na chamada Era da Informação.

A indústria automobilística é um grande exemplo de como isto ocorre atualmente. Mais especificamente, a indústria de automóveis no Brasil. Apesar de ainda estar sendo costurado, o Mercosul e a União Europeia estão se preparando para assinar um acordo onde os países do bloco sul-americano passarão a comprar carros europeus sem qualquer imposto (15 anos depois que assinarem o acordo). Na prática, isto significa que boa parte das indústrias que montam carros no Brasil, em breve, irá fechar suas portas. O setor, que já hoje ocupa menos da metade da sua capacidade de montar carros, vai se reduzir a quase nada. O motivo: ao invés de produzir aqui, vamos importar da Europa.

Aí surge a pergunta: mas as empresas que estão instaladas no Brasil vão deixar? O lobby vai permitir? Caro leitor, não esqueça que são as mesmas empresas que deixarão de produzir aqui e passarão a exportar seus carros da Europa para cá... E elas vão ter 15 anos para recuperar os investimentos já realizados por aqui... Por outro lado, significa que todas as atividades do setor automobilístico vão se acabar no Brasil? Certamente que não, pois temos abundância de ferro e, consequentemente, aço e seus produtos. Como vimos, as CGV fatiam a produção e as distribuem por aí. Com certeza continuaremos competitivos nessas atividades. Mas o carro, este não será mais nosso. E olhe que eu nem falei sobre a mudança para o uso dos motores elétricos. Isso fica para outro momento...

Ah! A contrapartida do acordo.

 Exportaremos mais café solúvel, soja, açúcar etc. para a Europa...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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