quinta-feira, 2 de junho de 2022

Pagando dobrado pelo combustível

Semana de 23 a 29 de maio de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como já foi mencionado anteriormente nesta coluna, o que faz com que o preço dos combustíveis tenha o comportamento atual é a política de preços adotada por Michel Temer e mantida por Jair Bolsonaro. Para completar, esta política é seguida com muito mais rigor pelas empresas privadas do setor, que estão se apossando do patrimônio da estatal a preço de banana (vide o último caso, da Lubnor).

A chamada política de preço de paridade de importação (PPI) simula todos os custos de se importar petróleo e derivados para o Brasil, mesmo quando o petróleo é produzido e refinado no Brasil. Com isso, quando acontece qualquer evento externo, como uma pandemia, uma guerra ou qualquer outro fator que eleve o preço do petróleo (no mundo) ou do dólar (aqui), nós sentimos rapidamente esses efeitos no nosso bolso. Como resultado, a Petrobrás e as empresas privadas obtêm lucros exorbitantes, pois elas têm custos consideravelmente baixos (quando comparados com outras petroleiras pelo mundo) em reais e tem “receitas em dólares”.

Essa é a primeira conta que pagamos pelo combustível. A segunda começou a ser inventada na semana passada, quando foi aprovado na Câmara do Deputados um projeto de lei que limita a cobrança de ICMS de determinados produtos essenciais para a vida da população. O teto proposto para todo o país é que se cobre uma taxa padronizada de 17% para combustíveis, energia, gás natural, comunicações e transportes coletivos. O objetivo fundamental é conter a inflação que nos atormenta, em especial a dos combustíveis.

O problema é que esse imposto a ser alterado não é federal, mas estadual. Isto quer dizer que quem cobra e fica com a verba do ICMS são os estados. E isto é importante. Segundo o Boletim de Arrecadação dos Tributos Estaduais do Ministério da Economia, 86% do valor arrecadado pelos estados em 2021 veio do ICMS, o equivalente a R$ 652 bilhões. Por sua vez, desse valor, R$ 112,5 bi veio da produção e comercialização de petróleo, combustíveis e lubrificantes, R$ 66,4 bi da energia, R$ 28,2 bi da comunicação e R$ 13,6 bi dos transportes.

Sendo estadual, cada ente da federação decide quanto vai cobrar de ICMS em seu território. Por exemplo, a depender do estado, a taxa para o diesel varia de 12% a 18%, enquanto a da gasolina vai de 25% a 34%. A proposta que está no Senado para apreciação terá como efeito prático reduzir a taxa média cobrada atualmente. Com isso, cai o preço final do combustível. Claro, alguém vai perder nessa história. Segundo estimativas da Comsefaz, isto pode significar uma redução de até R$ 83 bilhões por ano nas receitas tributárias. Ou seja, o que está sendo proposto é uma transferência do ônus do PPI, que sai dos consumidores (que vão pagar menos impostos) e vai para os estados (que vão arrecadar menos impostos).

Obviamente, todos nós estamos “cansados de pagar tantos impostos”. Por isso, uma redução neles é sempre bem-vinda. Por um lado, isto pode reduzir em mais de 10% a arrecadação total dos estados (que foi de R$ 758,7 bilhões em 2021). Contudo, por outro, não é de hoje que todos nós estamos “cansados” dos serviços prestados pelos estados. Desde filas intermináveis no Detran e vias esburacadas até a precariedade da saúde e da educação básicas. Como sabemos, tudo isso é financiado pelo dinheiro arrecadado pelos impostos. O que poderíamos esperar desses serviços, caso a arrecadação fosse reduzida?

O que foi levantado aqui serve para nos esclarecer uma coisa: a quem servirá essa lei que está sendo proposta? De um lado, os estados vão pagar ao reduzir suas receitas para compensar parte das perdas dos consumidores. De outro, a população continuará pagando caro pelo combustível precificado em dólares e pela maior precarização dos serviços públicos. No fim das contas, a Dilma estava errada: a burguesia vai ganhar e o restante vamos perder.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Maria Cecília Fernandes, Ana Isadora Meneguetti e Alan Gomes.

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