quinta-feira, 23 de junho de 2022

Inflação e pobreza

Semana de 13 a 19 de junho de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A novidade econômica da semana é a aprovação pelo Copom, órgão do Banco Central (BC) da nova Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), taxa de juros paga pelo governo como remuneração dos títulos que emite e que serve de base para todas as demais taxas cobradas pelos agentes econômicos. O Copom elevou a taxa para 13,25%, um aumento de 0,5%. Mais uma vez a decisão foi tomada na tentativa de conter a inflação que continua fora de controle. Este é o remédio recomendado pela bíblia da teoria (ideologia) econômica oficial. E o Brasil não está só. Pelo mundo, os BCs estão agindo no mesmo sentido. Dos 38 maiores bancos centrais 60% subiram os juros e em 80% dos países do G20 foram introduzidas restrições monetárias, apesar da desaceleração global das economias e das consequências que isto vai provocar. Todos rezam pela mesma cartilha na tentativa de dar uma resposta à explosão da inflação. Para nós, o pior foi a elevação dos juros do Federal Reserve (Fed.) banco central dos EUA, de 0,75% para 1,5% a 1,75%. Isto pode contribuir para a saída de capitais a procura de segurança, diante da instabilidade da situação local.

Não resta dúvida que a inflação interna vem atingindo níveis preocupantes. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é o indicador oficial da inflação no país, anualizado até maio, atingiu 11,73% e, para a alimentação em domicílio, foi de 16,35%. Esta inflação atinge de forma diferente as pessoas dependendo do nível de renda. Como a política do governo em relação ao salário-mínimo (SM) não pretende aumentar ou mesmo repor o poder de compra dos trabalhadores, a situação tem sido desastrosa. Em 1º de janeiro de 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, a cesta abrasmercado, cesta com 35 produtos calculada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e pela empresa alemã GfK, custava R$465,57 e o SM R$998,00 representando 46,6% deste. Em abril de 2022, a mesma cesta custava R$758,72 e o SM R$1.212,00, 62,6% deste. A cesta subiu 67,38% e o SM 21,44%. O poder de compra do trabalhador foi assim reduzido.

Segundo o Procon de São Pulo, em dezembro de 2021, a cesta básica custava R$1.088,00 e o salário-mínimo R$1.100,00. Sobrava R$12,00. Em maio de 2022, a cesta passou a R$1.226,12 e o mínimo R$1.212,00 faltando, portanto, R$14,12. Lembremos que em 2019 a cesta custava R$739,07 e o salário era de R$998,00, com uma sobra de R$258,93. Ocorre que 38,22% dos trabalhadores ganham até 1 salário-mínimo, ou seja, 36,4 milhões de pessoas. Além destes, dos 36,5 milhões de pensionistas e aposentados, 24,4 milhões também ganham até 1 mínimo. Temos, portanto, 60,8 milhões de pessoas que dependem de 1 salário-mínimo e tem sua renda corroída pela inflação.

Uma das consequências disto é que 125,2 milhões de pessoas sofrem com insegurança alimentar dos quais 33,1 milhões passam fome de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), apurado em Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19. Isto significa 58,7% da população. De acordo com o IBGE, a renda média do país caiu 4,3% em 2020 e 6,9% em 2021. De acordo com o Índice de Gini, usado para medir a desigualdade social, esta desigualdade aumentou. A queda dos rendimentos afeta desigualmente as diferentes classes. Para os 5% mais pobres esta queda foi de 33,9%. Para os que estão entre os 10% e 20%, foi de 19,7%. Para o 1% mais rico, a queda foi de apenas 6,4%.

É preciso considerar ainda que dos 96,5 milhões de empregados 38,7 milhões são informais, ou seja, há grande insegurança e remunerações baixas.

A situação econômica tende a se deteriorar. Os estímulos que o setor de serviços teve não vão se repetir. Em abril o crescimento dos serviços foi de apenas 0,2%. Analistas apresentam um quadro pessimista para os dois próximos trimestres e particularmente para o segundo semestre. Aí está o desespero do governo e a justificação do resultado das pesquisas. Na tentativa de impedir a derrota iminente vale tudo. E, por via das dúvidas, prepare-se o golpe que pode ser preventivo.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Araújo e Nertan Alves.

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