sábado, 16 de novembro de 2024

ENTRE A AUSTERIDADE E A DIPLOMACIA: OS DILEMAS DO GOVERNO LULA

Semana de 04 a 10 de novembro de 2024

 

Maria Fernanda Vieira Guimarães[i]

           

Como já pontuado nesta coluna, o compromisso quase obsessivo da equipe econômica com o déficit zero em 2024 resultou em uma série de medidas que, na prática, atendem prioritariamente aos interesses do mercado financeiro. Como era de se esperar, optou-se por um rigoroso pente-fino nos gastos sociais, com o ministério de Simone Tebet revisando benefícios e enxugando despesas públicas. No lado das receitas, o governo recorreu a medidas como taxação de importações, contribuindo para sucessivos recordes de arrecadação, os maiores desde o período pré-pandêmico. O efeito dessas políticas recai diretamente sobre a população brasileira enquanto um grupo específico, os rentistas, continua blindado das consequências dessa “caça” ao déficit zero.

A meta fiscal, estabelecida pela equipe econômica e aprovada pelo Congresso Nacional, é de déficit zero, com uma margem de tolerância de até R$28,8 bilhões. Em setembro, a previsão de déficit estava em R$28,3 bilhões, ainda dentro da meta. No entanto, pressionada pelo “mercado”, a busca por austeridade fiscal segue a todo vapor. Prova disso é que, na semana de publicação desta redação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cancelou compromissos no exterior, a pedido do presidente Lula, para se reunir com outros ministros e consolidar um novo pacote de cortes de gastos, reforçando a determinação do governo em atingir a meta fiscal. Os ministros Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Carlos Lupi (Previdência) já declararam que, em suas pastas, não haverá cortes. Desse modo, cabe a Lula articular internamente como esses cortes serão implementados.

Veja bem, caro leitor, segundo o tripé macroeconômico, adotado em 1999, no governo de FHC, o governo brasileiro deve perseguir superávits primários, manter o câmbio flutuante e adotar um regime de metas para a inflação. E, nesta incessante busca pela austeridade fiscal, o que se observa é um capricho em agradar aos credores do governo com rendimentos sobre a dívida pública. Não à toa, o corte de gastos tornou-se central desde as eleições municipais, visando assegurar ao mercado a confiança de que o Brasil continuará honrando seus juros.

Para tanto, o Banco Central decidiu elevar a taxa Selic, uma vez mais. A instituição, que acredita na manipulação dos juros como único meio para manter a inflação sob rédeas curtas, mesmo esta continuando dentro da meta, esquece que seu papel também inclui a promoção do bem-estar econômico da sociedade brasileira. Ao elevar a taxa de 10,75% para 11,25%, o Banco Central encarece o crédito, restringe o consumo e agrava as dificuldades enfrentadas pela população e pelos setores produtivos. Esses setores, apesar de apresentarem um leve crescimento no trimestre, já preveem queda nas atividades devido ao encarecimento do crédito. Com o aumento da taxa Selic, a dívida pública se torna ainda mais onerosa, e o peso do ajuste fiscal recai sobre quem já enfrenta dificuldades econômicas.

No cenário internacional, a vitória do republicano nas eleições norte-americanas sinaliza um cenário potencialmente desconfortável para o governo brasileiro. O Federal Reserve, banco central norte-americano, baixou a sua taxa de juros em 0,25 ponto percentual apesar das promessas inflacionárias durante a campanha de Trump. Tendo apoiado a campanha da democrata Kamala Harris na corrida à Casa Branca, o presidente Lula deixou claro seu descompasso com o republicano. A agenda climática, considerada por Trump como uma ferramenta de interferência, do sistema internacional, na soberania dos Estados, deve ser, não apenas negligenciada nos próximos quatro anos pela potência americana, mas veementemente atacada. No entanto, diante da crescente influência da China na agenda climática brasileira, especialmente com investimentos em energias renováveis, é possível que Trump evite rupturas mais radicais para não abrir ainda mais espaço à projeção global chinesa em temas ambientais. A influência chinesa coloca o Brasil em uma posição estratégica, porém delicada.

Enquanto isso, é necessário estar atento às movimentações da imitação tupiniquim de Trump, que, mesmo inelegível, viu na eleição do gêmeo nova-iorquino a oportunidade de voltar aos holofotes. Em mensagens de congratulação ao republicano ele passou a publicar na plataforma X (anteriormente Twitter), alusões à possibilidade de tornar-se elegível e concorrer à presidência em 2026.

Supõe-se que estes e outros desafios que o governo brasileiro enfrenta, tanto no cenário doméstico quanto no internacional, vão exigir habilidade política e uma estratégia econômica hábil para equilibrar as pressões. No entanto, é evidente que quem continuará arcando com o peso das decisões fiscais e da instabilidade internacional será o povo brasileiro, que sente diretamente os efeitos das políticas de austeridade e dos cortes em programas sociais. Resta saber se o governo será capaz de encontrar um equilíbrio entre seus compromissos fiscais e as necessidades sociais, mantendo a estabilidade e a credibilidade necessárias para enfrentar as oscilações do sistema global.


[i] Pesquisadora do PROGEB e graduanda em Relações Internacionais pela UFPB (mafe.vg.2007@gmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Brenda Tiburtino, Guilherme de Paula, Lara Souza e Gustavo Figueiredo.

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