Semana de 04 a 10 de novembro de 2024
Maria Fernanda Vieira Guimarães[i]
Como já pontuado nesta coluna, o
compromisso quase obsessivo da equipe econômica com o déficit zero em 2024
resultou em uma série de medidas que, na prática, atendem prioritariamente aos
interesses do mercado financeiro. Como era de se esperar, optou-se por um
rigoroso pente-fino nos gastos sociais, com o ministério de Simone Tebet
revisando benefícios e enxugando despesas públicas. No lado das receitas, o
governo recorreu a medidas como taxação de importações, contribuindo para
sucessivos recordes de arrecadação, os maiores desde o período pré-pandêmico. O
efeito dessas políticas recai diretamente sobre a população brasileira enquanto
um grupo específico, os rentistas, continua blindado das consequências dessa
“caça” ao déficit zero.
A meta fiscal, estabelecida pela equipe
econômica e aprovada pelo Congresso Nacional, é de déficit zero, com uma margem
de tolerância de até R$28,8 bilhões. Em setembro, a previsão de déficit estava
em R$28,3 bilhões, ainda dentro da meta. No entanto, pressionada pelo
“mercado”, a busca por austeridade fiscal segue a todo vapor. Prova disso é
que, na semana de publicação desta redação, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, cancelou compromissos no exterior, a pedido do presidente Lula, para se
reunir com outros ministros e consolidar um novo pacote de cortes de gastos,
reforçando a determinação do governo em atingir a meta fiscal. Os ministros
Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Carlos Lupi (Previdência) já
declararam que, em suas pastas, não haverá cortes. Desse modo, cabe a Lula
articular internamente como esses cortes serão implementados.
Veja bem, caro leitor, segundo o tripé
macroeconômico, adotado em 1999, no governo de FHC, o governo brasileiro deve
perseguir superávits primários, manter o câmbio flutuante e adotar um regime de
metas para a inflação. E, nesta incessante busca pela austeridade fiscal, o que
se observa é um capricho em agradar aos credores do governo com rendimentos
sobre a dívida pública. Não à toa, o corte de gastos tornou-se central desde as
eleições municipais, visando assegurar ao mercado a confiança de que o Brasil continuará
honrando seus juros.
Para tanto, o Banco Central decidiu elevar
a taxa Selic, uma vez mais. A instituição, que acredita na manipulação dos
juros como único meio para manter a inflação sob rédeas curtas, mesmo esta
continuando dentro da meta, esquece que seu papel também inclui a promoção do
bem-estar econômico da sociedade brasileira. Ao elevar a taxa de 10,75% para
11,25%, o Banco Central encarece o crédito, restringe o consumo e agrava as
dificuldades enfrentadas pela população e pelos setores produtivos. Esses
setores, apesar de apresentarem um leve crescimento no trimestre, já preveem
queda nas atividades devido ao encarecimento do crédito. Com o aumento da taxa
Selic, a dívida pública se torna ainda mais onerosa, e o peso do ajuste fiscal
recai sobre quem já enfrenta dificuldades econômicas.
No cenário internacional, a vitória do
republicano nas eleições norte-americanas sinaliza um cenário potencialmente
desconfortável para o governo brasileiro. O Federal Reserve, banco central
norte-americano, baixou a sua taxa de juros em 0,25 ponto percentual apesar das
promessas inflacionárias durante a campanha de Trump. Tendo apoiado a campanha
da democrata Kamala Harris na corrida à Casa Branca, o presidente Lula deixou
claro seu descompasso com o republicano. A agenda climática, considerada por
Trump como uma ferramenta de interferência, do sistema internacional, na
soberania dos Estados, deve ser, não apenas negligenciada nos próximos quatro
anos pela potência americana, mas veementemente atacada. No entanto, diante da
crescente influência da China na agenda climática brasileira, especialmente com
investimentos em energias renováveis, é possível que Trump evite rupturas mais
radicais para não abrir ainda mais espaço à projeção global chinesa em temas
ambientais. A influência chinesa coloca o Brasil em uma posição estratégica,
porém delicada.
Enquanto isso, é necessário estar atento às
movimentações da imitação tupiniquim de Trump, que, mesmo inelegível, viu na
eleição do gêmeo nova-iorquino a oportunidade de voltar aos holofotes. Em
mensagens de congratulação ao republicano ele passou a publicar na plataforma X
(anteriormente Twitter), alusões à possibilidade de tornar-se elegível e
concorrer à presidência em 2026.
Supõe-se que estes e outros desafios que o governo brasileiro enfrenta, tanto no cenário doméstico quanto no internacional, vão exigir habilidade política e uma estratégia econômica hábil para equilibrar as pressões. No entanto, é evidente que quem continuará arcando com o peso das decisões fiscais e da instabilidade internacional será o povo brasileiro, que sente diretamente os efeitos das políticas de austeridade e dos cortes em programas sociais. Resta saber se o governo será capaz de encontrar um equilíbrio entre seus compromissos fiscais e as necessidades sociais, mantendo a estabilidade e a credibilidade necessárias para enfrentar as oscilações do sistema global.
[i] Pesquisadora
do PROGEB e graduanda em Relações Internacionais pela UFPB (mafe.vg.2007@gmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Brenda Tiburtino, Guilherme de Paula, Lara Souza
e Gustavo Figueiredo.
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