quinta-feira, 14 de julho de 2022

A fascistização do Brasil e o golpe em curso

Semana de 04 a 10 de julho de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Caro leitor. Não poderia começar a presente coluna sem falar do ocorrido no último final de semana, quando um bolsonarista invadiu uma festa e assassinou um dirigente petista, o aniversariante que fizera 50 anos. Ao que tudo indica, eles nem se conheciam. As imagens até agora divulgadas mostram o nível de estupidez ao qual chegou uma parte não desprezível dos adeptos do presidente Jair Messias Bolsonaro.

Na semana que se encerrou naquele fatídico sábado, correligionários do Partido dos Trabalhadores já haviam sido alvo de bolsominions ensandecidos (desculpe o pleonasmo). Um artefato caseiro, feito com garrafa pet, bomba junina e fezes, foi lançado contra um evento petista na Cinelândia, RJ. Lá, pouco tempo depois, discursou o pré-candidato à presidência pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Em junho, em evento em Minas Gerais, petistas já haviam sido alvo de drones, que despejaram “líquidos malcheirosos” sobre o público de outro evento que esperava a presença de Lula.

Por sua vez, nem é preciso dizer o quanto as falas públicas de Bolsonaro sugerem aos seus que coisas do tipo sejam feitas. A mais famosa foi em 2018 em Rio Branco (AC), quando, em cima de um trio elétrico e segurando um objeto em alusão a uma arma, gritou: “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”. Não é raro ele soltar, em suas lives, algo do tipo: vocês sabem o que tem que fazer.

Desde o início do mandato, em 2019, Bolsonaro tem atacado as instituições que ele não pode controlar diretamente, mas que podem interferir em seu dinástico plano de poder. Foi assim com o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. No caso do primeiro, após perceber que não tinha força suficiente para suplantá-lo, resolveu a ele se aliar. É nesse contexto que se explica a guinada política (tanto de Bolsonaro quanto dos militares que o apoiam) que resultou no Orçamento Secreto. Este nada mais é do que a forma (contraditória) que o ocupante da cadeira do Planalto encontrou para manter-se no poder: entregar parte do poder ao Congresso, via orçamento, e manter-se na cadeira acenando com as bandeiras que levanta. Quais sejam: por um lado, a bandeira da moral e dos (maus) costumes, satisfazendo a “ala pobre” do bolsonarismo; por outro, a bandeira das reformas neoliberais, satisfazendo a “ala rica”.

Com isso, criou-se a barreira necessária para impedir qualquer ação vinda do judiciário que buscasse derrubar o presidente, pois o impeachment precisa ser aprovado na Câmara e no Senado, como ocorreu recentemente com Dilma Rousseff.

No caso do STF, a coisa foi diferente. Sem um orçamento para comprá-lo, o presidente só conseguiu infiltrar dois dos seus lá dentro, devido a duas aposentadorias ocorridas desde 2019. Como o Congresso se tornou seu colete salva-vidas, então Bolsonaro foi à carga sobre o Supremo. Com isso, passou três anos desgastando tanto a instituição, quanto alguns de seus membros. Atualmente, não é equívoco afirmar que o STF está sem forças para recolocar o arcabouço institucional de volta nos trilhos. Para completar, agora em conjunto com os militares, Bolsonaro passou a atacar não só as urnas, mas o próprio Tribunal Superior Eleitoral e as eleições de 2014 e 2018. Assim, novamente, desgasta a instituição responsável por gerir sua provável derrota nas eleições de outubro e, tal qual fez com o Congresso e está fazendo com o STF, busca dar um xeque-mate na instituição para se manter no poder.

Por fim, ilustrando como as principais instituições são depredadas em meio à fascistização em que vivemos, Bolsonaro insinuou que o estuprador anestesista preso em flagrante no fim de semana tenha sido produto de uma “ideologia” imposta no ambiente universitário em que se formou.

É um crime em cima do outro. Porém, as instituições nada fazem. E quando elas nada fazem, quem faz é a população. O problema é que quem está se mobilizando está armado, seja civil ou militar, e tem um norte claro: a eliminação do outro, do diferente, do inimigo. Assim surgiu o fascismo na Europa. Será o caso do Brasil?


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Gonçalves.

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quinta-feira, 7 de julho de 2022

A farra eleitoreira acabou a austeridade fiscal?

Semana de 27 de junho a 03 de julho de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

O crime foi consumado. A equipe do governo emparedou a oposição. Só pode ter sido obra das velhas raposas do centrão Lira, Pacheco, Nogueira et alii. A PEC dos combustíveis, que virou a PEC do fim do mundo, foi aprovada quase por unanimidade, ou seja, a oposição foi obrigada a aprovar as medidas propostas apesar de violarem a legislação e a Constituição. Quem se atreveria a votar contra medidas que favorecem os pobres? Com isto estourou-se definitivamente o “teto dos gastos”, acabou a austeridade fiscal (plataforma do Guedes), o orçamento, e foram violadas várias leis e a própria Constituição. Novos gastos foram aprovados sem previsão orçamentária, foram criados benefícios em período eleitoral e tudo feito pelo Congresso, deixando o Presidente fora da autoria dos crimes, protegido inclusive pela Advocacia Geral da União (AGU).

Mas, por que todo este açodamento?

As eleições vêm aí, as pesquisas mostram a derrota do Bolsonaro, talvez mesmo no primeiro turno, e a situação econômica é desastrosa. Alguns dados ajudam a entender o problema.

No país há 97,516 milhões de pessoas ocupadas, das quais apenas 35,57 milhões em empregos formais. Os informais somam 39,129 milhões. A taxa de informalidade é de 40,1% dos ocupados. Os desempregados somam 10,631 milhões aos quais se devem acrescentar 4,3 milhões de desalentados (os desempregados que não mais procuram emprego). Além disso 25,401 milhões, ou seja, 21,8% da força de trabalho é subutilizada. Se os trabalhadores formais já recebem baixos salários a situação dos restantes é ainda pior. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social calculou que a pobreza supera os 40% da população em 14 dos 27 estados da União. Em 2021 atingiu 62,9 milhões de pessoas representando 29,6% do total. O governo, no entanto, comemora a criação de 1,05 milhão de empregos, no acumulado do ano, até maio. Mesmo assim o quadro apresentado é a realidade e o rendimento médio dos trabalhadores não cresceu o que mostra que os empregos criados foram de baixa qualidade.

Temos de acrescentar a inflação fora do controle pois o próprio BC jogou a toalha: não tem mais meta a atingir até 2024.

O que pode fazer Bolsonaro para ganhar a eleição, além de tocar o terror proferindo as costumeiras ameaças de golpe?

Eis a razão das ações desesperadas que estão sendo implementadas.

Para conter a inflação visando frear o aumento dos combustíveis, tenta-se a redução dos impostos o que implica em renúncia fiscal. É o caso dos impostos federais e do ICMS que atingiu a receita dos Estados com consequências para o financiamento da educação e saúde criando um litígio com os governadores. A perda da receita é estimada por eles entre R$ 105 e 136 bilhões, cerca de 10% da arrecadação. A renúncia dos impostos federais aumenta o rombo do orçamento. Mas, além disso, a PEC do fim do mudo criou novas despesas. O Auxílio Brasil aumentou de R$400 para R$600 sendo estendido a mais 1,6 milhões de famílias (R$ 26 bilhões). O vale gás foi duplicado sendo pago a cada 2 meses (R$ 1,05 bilhões). Foi criado um voucher para os caminhoneiros com o pagamento de R$ 1.000 mensais (R$ 5,4 milhões). Para o transporte gratuito de idosos reservou-se R$ 2,5 bilhões. Calcula-se o somatório de todas estas bondades em R$38,75 bilhões. É preciso considerar que antes deste pacote o governo já se havia comprometido com a antecipação do 13º (R$ 34,6 bilhões), liberação do FGTS (R$ 30 bilhões), além das renúncias fiscais com os cortes de 35% do IPI (R$ 7,6 bilhões de renúncia), PIS/COFINS (R$ 17,6 bilhões) e o ICMS cuja uma renúncia é estimada em R$ 50 a R$ 65 bilhões.

Há um outro aspecto a considerar. Todas estas benesses, que visam comprar os votos dos mais pobres, representam uma injeção de cerca de R$300 bilhões na economia, ou seja, 3,3% do PIB, que certamente funcionarão como estímulo. Eis como o sinistro Paulo Gudes, fanático liberal, por interesses eleitoreiros, a serviço do seu senhor, trai sua proporia ideologia. Quanto cobrará por isso?


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Araújo, Nertan Alves e Ana Isadora Meneguetti.

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quinta-feira, 30 de junho de 2022

Eleição e economia

Semana de 20 a 26 de junho de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Na semana passada falamos sobre a inflação e mostramos dados que comprovam como ela prejudica os trabalhadores e particularmente os mais pobres. O problema é tão sério, não só internamente como em todo o mundo, que existe uma mobilização internacional para encontrar uma saída capaz de conter o processo. Entre nós, o BC já jogou a toalha e não se fala no horizonte para iniciar a busca da convergência para a meta. No ano passado o presidente do BC foi obrigado a escrever a carta institucional, explicando o fracasso por não ter conseguido cumprir sua função fundamental. Este ano já é garantido que terá de escrever outra carta e no próximo ano provavelmente. A solução apresentada é mudar a meta. Pedem socorro ao Conselho Monetário Nacional, o pomposo CMN, conselho que é uma Troika formada pelo sinistro Paulo Guedes, seu cupincha secretário especial do tesouro e orçamento, Esteves Colnago, e o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, que, como o nome indica, é neto do velho e conhecido Bob Field, dos tempos da ditadura.

O CMN decidiu, para este ano, manter a taxa Selic em 3% com um intervalo de tolerância de 1,5% para mais ou para menos. Para 2023 a taxa foi estabelecida em 3,25%. Para 2024 e 2025, 3% mantendo-se o intervalo de tolerância de 1,5% nos três casos. Para 2023, considerando-se o intervalo de tolerância, a inflação deveria oscilar entre 1,75% e 4,75%. O BC já declarou que ele perseguirá a meta de 4%, ou seja, vai trabalhar acima do centro da meta para começar. Já sai ignorando o centro da meta. Para atingir estes objetivos o BC anunciou que continuará elevando os juros, que subirão dos 13,25% atuais para 13,5% ou mesmo 13,75%. Ora, todos sabemos que taxas de juros elevadas entravam ou dificultam o crescimento ao desestimular os investimentos e o consumo, o que leva a desaceleração da economia, que já se arrasta com as dificuldades internas e externas.

A situação não é confortável para a campanha de reeleição do presidente. A inflação já foi identificada como o grande problema a ser superado e ela é puxada pelos combustíveis e alimentos. Todos os esforços voltam-se nesta direção. A Petrobrás passa assim para o centro dos debates. Não é por outra razão que os presidentes da empresa são indicados e demitidos sucessivamente. Ninguém sabe como controlar os preços dos combustíveis sem violar a política de preços da empresa que se baseia na paridade com os preços internacionais. O caminho que está sendo tentado é o da criação de subsídios ao consumo ou da redução dos impostos que incidem sobre os derivados, mesmo violando a lei. A redução do ICMS foi feita com a criação de um teto unificado de 17% a 18% o que afeta a arrecadação dos Estados. É claro que as aves agourentas se aproveitam para atacar a Petrobrás e pregar a sua privatização. Em relação aos alimentos, discute-se a adoção de subsídios ao consumo. O governo já abandonou a ideia de teto de gastos. Está em discussão a criação de um benefício social para aumentar o Auxílio Brasil de R$400 para R$600, criar um vaucher para os caminhoneiros de R$1.000 por mês, aumentar o vale gás de R$53 para R$106, o que cria um problema legal pois estão proibidas as medidas para a criação de subsídios antes das eleições.

Enquanto isso a situação econômica continua a se deteriorar. O Monitor do PIB da FGV estima para este ano que o PIB ficará entre 0,9% e 1,0% e o máximo estimado é de 2%. O investimento medido pela Formação Bruta de Capital Fixo, em abril, teve uma queda -4,6%. E não é de se esperar nenhuma ajuda vinda de fora, pois, a economia mundial caminha para uma crise sem precedentes. Os EUA e a União Europeia desaceleraram em junho. A recessão se espalha com a guerra, trazendo inflação, desorganização das cadeias de suprimentos, elevação das taxas de juros, queda nos investimentos, crise de combustíveis e energia. Segundo o Financial Times a Europa vive a hora da verdade. Depois de ter cortado o fornecimento de gás para a Polônia, Bulgária, Dinamarca, Finlândia e Holanda a Rússia reduziu o fluxo de gás no gasoduto Nord Stream em 60%. Com isto os países não conseguem nem repor seus estoques. E o inverno se aproxima.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Araújo, Nertan Alves e Ana Isadora Meneguetti.

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quinta-feira, 23 de junho de 2022

Inflação e pobreza

Semana de 13 a 19 de junho de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A novidade econômica da semana é a aprovação pelo Copom, órgão do Banco Central (BC) da nova Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), taxa de juros paga pelo governo como remuneração dos títulos que emite e que serve de base para todas as demais taxas cobradas pelos agentes econômicos. O Copom elevou a taxa para 13,25%, um aumento de 0,5%. Mais uma vez a decisão foi tomada na tentativa de conter a inflação que continua fora de controle. Este é o remédio recomendado pela bíblia da teoria (ideologia) econômica oficial. E o Brasil não está só. Pelo mundo, os BCs estão agindo no mesmo sentido. Dos 38 maiores bancos centrais 60% subiram os juros e em 80% dos países do G20 foram introduzidas restrições monetárias, apesar da desaceleração global das economias e das consequências que isto vai provocar. Todos rezam pela mesma cartilha na tentativa de dar uma resposta à explosão da inflação. Para nós, o pior foi a elevação dos juros do Federal Reserve (Fed.) banco central dos EUA, de 0,75% para 1,5% a 1,75%. Isto pode contribuir para a saída de capitais a procura de segurança, diante da instabilidade da situação local.

Não resta dúvida que a inflação interna vem atingindo níveis preocupantes. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é o indicador oficial da inflação no país, anualizado até maio, atingiu 11,73% e, para a alimentação em domicílio, foi de 16,35%. Esta inflação atinge de forma diferente as pessoas dependendo do nível de renda. Como a política do governo em relação ao salário-mínimo (SM) não pretende aumentar ou mesmo repor o poder de compra dos trabalhadores, a situação tem sido desastrosa. Em 1º de janeiro de 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, a cesta abrasmercado, cesta com 35 produtos calculada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e pela empresa alemã GfK, custava R$465,57 e o SM R$998,00 representando 46,6% deste. Em abril de 2022, a mesma cesta custava R$758,72 e o SM R$1.212,00, 62,6% deste. A cesta subiu 67,38% e o SM 21,44%. O poder de compra do trabalhador foi assim reduzido.

Segundo o Procon de São Pulo, em dezembro de 2021, a cesta básica custava R$1.088,00 e o salário-mínimo R$1.100,00. Sobrava R$12,00. Em maio de 2022, a cesta passou a R$1.226,12 e o mínimo R$1.212,00 faltando, portanto, R$14,12. Lembremos que em 2019 a cesta custava R$739,07 e o salário era de R$998,00, com uma sobra de R$258,93. Ocorre que 38,22% dos trabalhadores ganham até 1 salário-mínimo, ou seja, 36,4 milhões de pessoas. Além destes, dos 36,5 milhões de pensionistas e aposentados, 24,4 milhões também ganham até 1 mínimo. Temos, portanto, 60,8 milhões de pessoas que dependem de 1 salário-mínimo e tem sua renda corroída pela inflação.

Uma das consequências disto é que 125,2 milhões de pessoas sofrem com insegurança alimentar dos quais 33,1 milhões passam fome de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), apurado em Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19. Isto significa 58,7% da população. De acordo com o IBGE, a renda média do país caiu 4,3% em 2020 e 6,9% em 2021. De acordo com o Índice de Gini, usado para medir a desigualdade social, esta desigualdade aumentou. A queda dos rendimentos afeta desigualmente as diferentes classes. Para os 5% mais pobres esta queda foi de 33,9%. Para os que estão entre os 10% e 20%, foi de 19,7%. Para o 1% mais rico, a queda foi de apenas 6,4%.

É preciso considerar ainda que dos 96,5 milhões de empregados 38,7 milhões são informais, ou seja, há grande insegurança e remunerações baixas.

A situação econômica tende a se deteriorar. Os estímulos que o setor de serviços teve não vão se repetir. Em abril o crescimento dos serviços foi de apenas 0,2%. Analistas apresentam um quadro pessimista para os dois próximos trimestres e particularmente para o segundo semestre. Aí está o desespero do governo e a justificação do resultado das pesquisas. Na tentativa de impedir a derrota iminente vale tudo. E, por via das dúvidas, prepare-se o golpe que pode ser preventivo.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Araújo e Nertan Alves.

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quarta-feira, 15 de junho de 2022

Ainda sobre os combustíveis e o desastre político

Semana de 06 a 12 de junho de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Está ocorrendo no Congresso Nacional a tramitação de um projeto de lei que busca limitar o ICMS à 17% para combustíveis, energia, transporte e comunicação. Como já foi dito a duas semanas atrás, nesta mesma coluna, o grande objetivo é baixar os preços do diesel e da gasolina no posto de combustível. Na ocasião, dissemos que esta medida em nada vai servir para conter a escalada dos preços internacionais e do dólar (a verdadeira causa da elevação dos preços), bem como isto trará um rombo de cerca de R$ 100 bilhões aos cofres de estados e municípios brasileiros.

Pois bem, o referido projeto está passando à jato pelo Congresso e prepara o terreno para um absurdo ainda maior: o envio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende zerar os impostos federais que incidem sobre a gasolina e o etanol e zerar o ICMS sobre o diesel e o gás natural (que já têm os impostos federais zerados). Naturalmente, isto vai custar uma grande soma de recursos. Assim, espera-se uma inevitável redução na arrecadação, da União, dos estados e dos municípios.

Porém, o governo federal pretende compensar parte dessas perdas. Segundo o sinistro Paulo Guedes, a ajuda aos entes da federação vai variar entre R$ 25 e R$ 50 bilhões. E aí é que está o novo problema, um verdadeiro crime lesa-pátria: parte deste dinheiro deve vir da recente privatização da Eletrobrás, que já rendeu R$ 29,3 bilhões, mas podendo chegar a R$ 33,7 bilhões. Veja bem, caro leitor, isto significa que um patrimônio nacional vai se transformar em dinheiro para bancar a insustentável política de preços da Petrobrás, que beneficia apenas seus acionistas minoritários e suas concorrentes privadas.

Numa conta grosseira, baixar os impostos significaria reduzir em R$ 1,21 o preço da gasolina, saindo da média de R$ 7,25 (a preço médio nacional de hoje) e indo para aproximadamente R$ 6. Já o diesel reduziria em R$ 0,82, caindo de R$ 7,01 para algo em torno de R$ 6,2. O gás de cozinha teria seu preço médio reduzido em R$ 14,73, saindo de R$ 112,64 para algo próximo de R$ 98. Isto mostra que, mesmo com a redução nos impostos, os preços continuarão abusivos. O motivo é que a maior parcela do preço desses produtos fica com a Petrobrás (percentuais ainda maiores no caso das petroleiras privadas): no caso da gasolina, 38,8% hoje fica com a Petrobrás; 48,8% no caso do gás de cozinha; e 63,2% no caso do diesel. Caso não se lembre, caro leitor, a Petrobrás já lucrou R$ 44,5 bilhões apenas nos três primeiros meses de 2022. No trimestre anterior, ela tinha lucrado R$ 31,5 bilhões.

Para confirmar o argumento de que os impostos não resolverão o problema do preço dos combustíveis, basta ver a defasagem entre o preço cobrado pela Petrobrás e o preço de importação do combustível. Desde abril, os preços internos estão defasados (mais baixos) em relação ao externo. A gasolina da Petrobrás deveria estar R$ 0,82 mais cara. Ou seja, mesmo reduzindo em R$ 1,21 (na conta acima) o preço da gasolina via impostos, em algum momento a Petrobrás vai ter que reajustar seus preços internos para se alinhar ao mercado internacional. Em resumo, a redução do imposto junto com o aumento do preço resulta numa redução efetiva de apenas R$ 0,39 no preço da gasolina. No caso do diesel, a defasagem está em R$ 0,95. Ou seja, ao invés de cair, caso haja a redução do imposto e o realinhamento com os preços internacionais, o preço do diesel vai subir em R$ 0,13. Isso tudo sem falar nos reajustes que devem vir até o fim do ano.

 Como desgraça pouca é bobagem, no dia 09/06/2022 o Governo Federal enviou ao Congresso uma proposta de lei que antecipa a receita que o Brasil terá com o excedente de óleo e gás extraído do seu território até o ano de 2030. São mais de R$ 330 bilhões que podem vir como cheque em branco para Bolsonaro, Paulo Guedes e Arthur Lira gastarem neste ano eleitoral. Haja orçamento secreto para dar conta dessa dinheirama.

Por fim, para aqueles que ainda acham que Bolsonaro vai entregar o poder de graça, preparem-se, pois, literalmente, ele vai cobrar muito caro.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Nertan Gonçalves e Ana Isadora Meneguetti.

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sexta-feira, 10 de junho de 2022

A má política destrói a economia

Semana de 30 de maio a 05 de junho de 2022

 

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

O IBGE publicou os dados sobre a situação da economia no primeiro trimestre. O governo comemorou o crescimento de 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando analisamos a desagregação por setores descobrimos os motivos para tal crescimento e vemos que não há muito a comemorar. Ele foi puxado pelo setor de serviços (1%), pelo lado da oferta, e pelo consumo das famílias (0,7%) e comércio exterior, pelo lado da demanda. O setor externo teve um saldo positivo pois as exportações cresceram 5% e as importações decresceram -4,6%. O consumo do governo pouco contribuiu (0,1%). O crescimento da indústria foi também de 0,1% e o Agro decresceu -0,9%. Outra decepção foi a retração (-2,6%) da indústria de bens de capital, fundamental para os investimentos.  Correspondendo a esta queda, os investimentos decresceram -3,5%. O setor de extração mineral foi outra grande decepção com uma queda de -3,4%. 

Nestas circunstância não há muito o que comemorar. A aceleração do crescimento dos serviços era previsível. O controle da pandemia graças à vacinação efetuada (contra a vontade do governo e do sinistro da saúde) levou ao relaxamento das medidas restritivas o que serviu como forte estímulo à reabertura dos negócios no comércio e no turismo (hotéis e restaurantes), com o consequente aumento do emprego. Some-se a isto o começo do pagamento do Auxílio Brasil, o aumento do salário-mínimo, o corte dos impostos, a queda nas tarifas de importação, os saques no FGTS, os subsídios para o gás e o diesel, além do aumento dos salários dos funcionários de estados e municípios. Todos são fatores extraordinários que não se repetirão nos próximos trimestres. As estimativas de crescimento já estão sendo reduzidas para valores inferiores a 0,4%. Há ainda fatores adversos vindos do exterior como a guerra na Europa, a inflação no mundo, o aumento dos juros pelo Fed e outros BCs, a crise de alimentos e energia, agravando a desorganização das cadeias produtivas, do comércio e do transporte marítimo.

A inflação continua fora de controle assumindo a forma de estagflação que os Bancos Centrais (BCs) tentam combater loucamente com a elevação dos juros, única receita que eles conhecem. É exatamente esta elevação que contribuirá para agravar a desaceleração da economia mundial nos próximos períodos.

No Brasil os dados sobre o desemprego melhoraram. A taxa de desemprego caiu de 11,1% para 10,5%, mas ainda há 11,349 milhões de desempregados. Acrescendo os 4,451 milhões de desalentados (os desempregados que não mais procuram emprego) e os subutilizados (os que gostariam de trabalhar mais, mas não encontram trabalho) o excedente de trabalhadores chega a 22,5% do total, ou seja, 26,096 milhões de pessoas com o agravante de que entre os empregados 40,1% são informais.

Somando-se os fatores estagflação, baixos salários, juros elevados, informalidade, inadimplência crescente, incerteza, turbulência política e social, certamente não se tem um bom ambiente para o crescimento da economia nos próximos trimestres.

Estes são os dados objetivos que a realidade nos impõe. Sobre eles age o governo com sua política econômica e aí aumenta o desastre. A política interfere na economia e no nosso caso, piorando a situação. Temos um desgoverno incompetente e inescrupuloso, acossado pelos números apresentados pelas agências de pesquisa, e disposto a qualquer coisa para se reeleger nas próximas eleições. Com o suporte de um congresso formado em sua maioria pelo lixo político do “Centrão”, como um aprendiz de feiticeiro, o desgoverno engendra as artimanhas mais absurdas na tentativa de melhorar sua avaliação. O BC pode não poder mais ajudar pois jogou a toalha desistindo de fazer a inflação de 12,13% convergir para a meta de 3,5%, mesmo no próximo ano. No vale tudo tenta aprovar um teto para o ICMS e planeja até um decreto de calamidade pública para adotar medidas de emergência. Já decretou contingenciamentos de despesas do orçamento aprovado que atingirão educação, saúde, ciência, setores sem importância, para dar aumento de salários de servidores e militares. E prevendo o fracasso eleitoral continua a preparar o golpe como temos denunciado nesta coluna.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Ana Isadora Maneguetti, Mariana Araújo e Nertan Alves.

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quinta-feira, 2 de junho de 2022

Pagando dobrado pelo combustível

Semana de 23 a 29 de maio de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como já foi mencionado anteriormente nesta coluna, o que faz com que o preço dos combustíveis tenha o comportamento atual é a política de preços adotada por Michel Temer e mantida por Jair Bolsonaro. Para completar, esta política é seguida com muito mais rigor pelas empresas privadas do setor, que estão se apossando do patrimônio da estatal a preço de banana (vide o último caso, da Lubnor).

A chamada política de preço de paridade de importação (PPI) simula todos os custos de se importar petróleo e derivados para o Brasil, mesmo quando o petróleo é produzido e refinado no Brasil. Com isso, quando acontece qualquer evento externo, como uma pandemia, uma guerra ou qualquer outro fator que eleve o preço do petróleo (no mundo) ou do dólar (aqui), nós sentimos rapidamente esses efeitos no nosso bolso. Como resultado, a Petrobrás e as empresas privadas obtêm lucros exorbitantes, pois elas têm custos consideravelmente baixos (quando comparados com outras petroleiras pelo mundo) em reais e tem “receitas em dólares”.

Essa é a primeira conta que pagamos pelo combustível. A segunda começou a ser inventada na semana passada, quando foi aprovado na Câmara do Deputados um projeto de lei que limita a cobrança de ICMS de determinados produtos essenciais para a vida da população. O teto proposto para todo o país é que se cobre uma taxa padronizada de 17% para combustíveis, energia, gás natural, comunicações e transportes coletivos. O objetivo fundamental é conter a inflação que nos atormenta, em especial a dos combustíveis.

O problema é que esse imposto a ser alterado não é federal, mas estadual. Isto quer dizer que quem cobra e fica com a verba do ICMS são os estados. E isto é importante. Segundo o Boletim de Arrecadação dos Tributos Estaduais do Ministério da Economia, 86% do valor arrecadado pelos estados em 2021 veio do ICMS, o equivalente a R$ 652 bilhões. Por sua vez, desse valor, R$ 112,5 bi veio da produção e comercialização de petróleo, combustíveis e lubrificantes, R$ 66,4 bi da energia, R$ 28,2 bi da comunicação e R$ 13,6 bi dos transportes.

Sendo estadual, cada ente da federação decide quanto vai cobrar de ICMS em seu território. Por exemplo, a depender do estado, a taxa para o diesel varia de 12% a 18%, enquanto a da gasolina vai de 25% a 34%. A proposta que está no Senado para apreciação terá como efeito prático reduzir a taxa média cobrada atualmente. Com isso, cai o preço final do combustível. Claro, alguém vai perder nessa história. Segundo estimativas da Comsefaz, isto pode significar uma redução de até R$ 83 bilhões por ano nas receitas tributárias. Ou seja, o que está sendo proposto é uma transferência do ônus do PPI, que sai dos consumidores (que vão pagar menos impostos) e vai para os estados (que vão arrecadar menos impostos).

Obviamente, todos nós estamos “cansados de pagar tantos impostos”. Por isso, uma redução neles é sempre bem-vinda. Por um lado, isto pode reduzir em mais de 10% a arrecadação total dos estados (que foi de R$ 758,7 bilhões em 2021). Contudo, por outro, não é de hoje que todos nós estamos “cansados” dos serviços prestados pelos estados. Desde filas intermináveis no Detran e vias esburacadas até a precariedade da saúde e da educação básicas. Como sabemos, tudo isso é financiado pelo dinheiro arrecadado pelos impostos. O que poderíamos esperar desses serviços, caso a arrecadação fosse reduzida?

O que foi levantado aqui serve para nos esclarecer uma coisa: a quem servirá essa lei que está sendo proposta? De um lado, os estados vão pagar ao reduzir suas receitas para compensar parte das perdas dos consumidores. De outro, a população continuará pagando caro pelo combustível precificado em dólares e pela maior precarização dos serviços públicos. No fim das contas, a Dilma estava errada: a burguesia vai ganhar e o restante vamos perder.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Maria Cecília Fernandes, Ana Isadora Meneguetti e Alan Gomes.

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