quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Lei Geral da Acumulação Capitalista

Semana de 15 a 21 de junho de 2009

No volume II do Livro I de “O Capital”, capítulo XXIII, Marx trata da Lei Geral da Acumulação Capitalista. Esta Lei do modo capitalista de produção, assim denominada por Marx, consiste no fato de quanto maiores o produto social, a capacidade de gerar riqueza e a produtividade do trabalho, de um lado, maiores serão os índices de miséria, pobreza e desemprego, do outro lado. Isto ocorre por que, no capitalismo, o objetivo da produção não consiste na satisfação das necessidades humanas, mas na obtenção de lucro. Assim, as empresas concorrem entre si para oferecer o melhor produto ao melhor preço capaz de gerar o maior lucro possível. Esta concorrência se dá por meio do progresso técnico, que eleva substancialmente a produtividade do trabalho humano, fazendo com que cada trabalhador produza um volume crescente de produtos. Desse modo reduz-se a necessidade de força de trabalho para atender a um dado nível de demanda.
Assim, quanto mais cresce a capacidade produtiva do sistema, menos trabalhadores são necessários para tanto. Em conseqüência, menor será o número de pessoas com capacidade de pagamento para consumir. Este é um dos motivos pelos quais o capitalismo não funciona sem crédito e sem crises.
Ao contrapor a Lei Geral da Acumulação Capitalista com a realidade recente vê-se como esta Lei é atual. Após a queda do muro de Berlim, com a derrota do seu inimigo ideológico, o capitalismo pôde mostrar de fato sua “cara”. A Globalização acelerou a destruição das garantias conquistadas pelos trabalhadores dos países desenvolvidos e levou-os a uma situação mais próxima daquela vivida pelos trabalhadores do capitalismo subdesenvolvido.
Uma análise dos mercados de trabalho norte-americano e europeu denota como os capitalistas, com o aparato do Estado, passaram como um “rolo compressor” por cima do já restrito grupo de trabalhadores privilegiados. Com a chantagem de que, ou se aceitava uma piora nas condições de renda e emprego, ou a empresa migraria para um local onde o custo da mão-de-obra fosse mais baixo (leia-se uma miséria), as multinacionais do mundo todo destruíram o “Estado do Bem-Estar Social” que geriu o capitalismo desde os anos 50.
Atualmente, nos países asiáticos, as condições de trabalho se assemelham àquelas registradas no período da Revolução Industrial, isto é, condições sub-humanas. Nos antigos países ditos socialistas, agora em marcha acelerada para o capitalismo, a repressão violenta a qualquer tipo de manifestação de descontentamento dos trabalhadores, vem garantindo uma total submissão às regras impostas pelas empresas aí instaladas.
Nos Estados Unidos a situação dos trabalhadores está tão precária que o economista prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, tem escrito defendendo a volta e o fortalecimento dos sindicatos, como força de resistência à contínua queda dos salários. É importante frisar que Krugman não é filiado a nenhum partido de esquerda, nem tão pouco é defensor dos pobres. Ele simplesmente é dotado de bom senso e, como Keynes, na Grande Depressão, está percebendo que a situação social está se tornando insustentável.
As previsões da CEPAL e da FAO, para 2009, já são de aumento considerável (de milhões, sobre os milhões já existentes) de desnutridos, desempregados e daqueles que passarão a viver abaixo da linha da pobreza (com menos de um dólar por dia).
Segundo a FAO, em 2009, o mundo terá mais de um bilhão de pessoas desnutridas. A instituição considera desnutrida a pessoa que ingere menos de 1.800 calorias por dia. Este número supera em quase 100 milhões o do ano passado e equivale a aproximadamente um sexto da população mundial.
O diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico Agrícola da FAO, Kostas G. Stamoulis, declarou que é a primeira vez na história que o mundo tem tantos famintos. Para ele, isto figura como uma contradição, porque o mundo tem muita riqueza, apesar da crise: “Neste ano, temos quase um recorde da colheita de grãos, então não há falta de comida, há falta de acesso”.
Com a Lei Geral da Acumulação Capitalista, Marx demonstrou que esta contradição não é um acidente, mas ao contrário, é causada pela dinâmica do capitalismo, sendo, portanto inerente a ele.
Como era de se esperar, as estimativas da FAO mostram que a maior parte das pessoas subnutridas vive em países subdesenvolvidos. De acordo com a entidade, no período de 1995 a 1997, o mundo possuía 825 milhões de desnutridos e, entre 2004 e 2006, este número subiu para 873 milhões. É importante lembrar que, no período, o capitalismo não estava em crise; ao contrário, vivia uma fase de forte dinamismo econômico.
Os dados sobre desemprego também não dão trégua e isto vale para o mundo todo. Nos Estados Unidos, já passam de sete milhões os trabalhadores afetados pela crise. No Japão, o Governo busca meios de contornar a situação do emprego, inclusive com estímulo financeiro para que brasileiros descendentes de japoneses, que trabalham no Japão, voltem para o Brasil. Na Espanha, a taxa de desemprego já atingiu mais de 17% da população economicamente ativa.

Taxa de desemprego para a União Européia - Maio 2009(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.


No Brasil, só no mês de maio, a indústria paulista fechou 3,5 mil vagas, conforme dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp. Paulo Francini, diretor do departamento de pesquisas econômicas desta entidade, aposta que o fim das demissões ocorrerá em julho e que as contratações serão retomadas gradualmente no segundo semestre. Esta mesma aposta de retomada já havia sido prevista para maio!
No entanto, a política monetária, ao insistir em manter os juros nos níveis mais elevados do ranking mundial (apesar das quedas registradas), provocou uma valorização excessiva do real e, em contrapartida, a indústria brasileira, já afetada pela crise, potencializou as perdas. Para se ter uma idéia do efeito do juro
sobre o câmbio basta comparar a valorização da moeda brasileira e de outras moedas, frente ao dólar. Uma avaliação de Roberto Gianneti da Fonseca, vice-presidente de comércio exterior da Fiesp, mostrou que, enquanto o real se valorizou 16% sobre o dólar, de janeiro a maio deste ano; a média de valorização de 22 moedas pesquisadas foi de 3%. Todos os outros BRIC´s tiveram valorização abaixo de 1% no mesmo período.
Gianneti mostrou que, junto com a mudança cambial, a redução dos preços internacionais das commodities prejudica ainda mais os exportadores brasileiros. Por outro lado, no mercado interno a alta do real deixa a indústria vulnerável a produtos importados. Segundo Gianneti, “É verdade que o dólar está se desvalorizando no mundo inteiro, mas no Brasil, esse movimento vai muito além da média. Assim, não tem indústria que sobreviva e haverá uma nova onda de demissões no setor”.
Como era de se esperar o juro é apontado como o principal causador da excessiva valorização da moeda brasileira, tendo sido insuficientes, os cortes na Selic: “A Selic caiu, mas o diferencial com o juro americano, não”.
Apesar dos estragos que causa, a crise é importante no sentido de desmistificar uma série de “mitos” criados e propagados como verdades absolutas, para praticamente todas as pessoas, independentemente da classe social a que pertencem.
Um destes mitos diz respeito àquela mentira, que foi vendida e tão bem comprada, de que a causa do desemprego é a falta de qualificação da força de trabalho. Veja que, com esta idéia, se responsabiliza o desgraçado pela sua desgraça e, pior do que isto, convence-o a defender esta tese.
Um estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - Dieese, Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro - Contraf e Central Única dos Trabalhadores - CUT mostrou que, no primeiro trimestre do ano, os bancos brasileiros demitiram trabalhadores com salário maior (porém, mais qualificados) e admitiram outros com remuneração menor. Enquanto os desligados recebiam renda média de R$ 3.939, os contratados passaram a ter remuneração média de R$ 1.794, ou seja, uma diferença de 54,45%. Isto ocorre pelo fato das demissões terem ocorrido principalmente nos escalões hierárquicos superiores e as admissões terem sido nos cargos iniciais de carreira.
Outro indicador da perversidade dos bancos brasileiros, que, no primeiro trimestre do ano, tiveram lucro líquido de R$ 7 bilhões (os 50 maiores bancos), é demonstrado pela idade dos demitidos versus contratados. Enquanto os demitidos possuem idade superior a 30 anos, a maioria dos admitidos tem entre 18 e 24 anos, isto é, sujeitam-se a qualquer situação para ingressar no mercado de trabalho.
Outro mito desmontado (mais uma vez) na atual crise é sobre o papel do Estado na economia. Há quem acredite e defenda que o Estado existe para diminuir a distância entre ricos e pobres, promovendo a justiça e o bem-estar social. Pois bem, não é para isto que o Estado existe, mas para manter os “pobres distantes dos ricos”, quando estes vão bem e, para auxiliar os ricos quando sofrem perdas nos seus ativos.
Há vários dias as bolsas de valores do mundo inteiro, à revelia do lado real da economia, registram ganhos. Em três meses o índice Dow Jones sofreu recuperação de 34%. A pergunta que não calava era: qual a nova fonte de recursos dos mercados financeiros? A resposta é muito simples: os mercados financeiros estão inundados de dinheiro dos governos.
Para se ter uma idéia, só o Governo dos Estados Unidos alocou US$ 11,4 trilhões para estímulo direto e indireto, nos últimos dois anos. A maior parte do dinheiro foi dada no ano passado. O dinheiro está jorrando como doações diretas, crédito ao Banco Central, incentivos fiscais, garantias e outros itens.

De acordo com a Strategas, de Nova York, a China anunciou planos para gastos de US$ 600 bilhões; a Rússia, de US$ 290 bilhões; o Reino Unido, de US$ 147 bilhões; e o Japão, de US$ 155 bilhões. Alguns investidores já começaram a falar numa “bolha do socorro governamental” que estaria sendo criada em certos mercados, e sobre um aumento artificial da demanda, alimentado pela crescente oferta de liquidez.
Para Jim O´Neill, economista-chefe do Goldman Sachs, “essa liquidez vai impactar, desde títulos de renda fixa de curto prazo, passando por cotações de ações e imóveis e chegando até as fortunas pessoais”.
Já é possível notar que esta massa de liquidez está afetando as ações, os títulos e o preço das commodities. A prata no mercado futuro, já subiu 59%, desde dezembro; o cobre, 90%; o milho, 45%, e o petróleo, 113%. A bolsa da Ucrânia já subiu 125%, a do Vietnã, 116%, a da Indonésia, 76%; e a da Índia, 87%, em relação a seus níveis mais baixos, entre dezembro e março.
A expectativa é de que as dívidas dos Governos cresçam de forma estratosférica num curto período de tempo, o que exigirá um forte plano de contenção de gastos. Até lá, se espera que a economia mundial entre num quadro de endividamento explosivo dos governos com conseqüências para a inflação, que deve voltar a aumentar.
É impressionante como um exército de famintos não provoca nenhuma ação importante por parte dos governos. No entanto, para “salvar” os grandes capitais, eles já aumentaram seus déficits de forma significativa, desde que a crise começou. Agora, nunca esteve tão claro, para que serve o Estado e a serviço de quem ele é utilizado.
Contudo, passada esta fase, o discurso será que os Governos não são competentes, pois se endividam de forma irresponsável, pondo em risco a estabilidade macroeconômica das nações. Aí mais uma vez os pobres pagarão a conta, pois, certamente, os cortes nos gastos afetarão principalmente os setores sociais (educação, saúde, saneamento, habitação entre outros).
Como se sabe, num momento de crise, as condições sociais tendem a piorar substancialmente. Angustiante é verificar que elas já haviam atingido um nível muito baixo antes da crise eclodir.
Sem inimigo ideológico e sem reflexões sobre alternativas ao modelo atual, o que será do futuro no curto e médio prazos? Será a barbárie? Será o derrame de sangue de uma parcela da humanidade que não encontra mais espaço no processo de acumulação capitalista?
Infelizmente, as possibilidades levantadas não são fruto de pessimismo, mas do discernimento de quem vem acompanhando, desde muito tempo, a trajetória do capitalismo. Entre as várias considerações possíveis uma afirmação pode ser feita sem nenhuma dúvida: depois desta crise nada será como antes. Muita coisa terá que mudar, pois o atual modelo de acumulação está em vias de esgotamento.
Resta saber o tamanho do preço a ser pago e quem o pagará!

Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

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