segunda-feira, 27 de julho de 2009

Nem queda livre, nem recuperação

Semana de 06 a 12 de julho de 2009

Como um enfermo em um leito de hospital, todos os dias somos informados sobre a condição econômica mundial, em especial, a das grandes nações, como Estados Unidos e o bloco europeu, e sobre os possíveis impactos nas demais nações. A grande questão é saber o que realmente está por trás de boa parte dos dados divulgados: se ainda estamos na fase de queda livre, se chegamos ao fundo do poço, ou se os sinais observados já são de recuperação.
A divulgação dos balanços das instituições financeiras, por exemplo, indica que os bancos norteamericanos ainda se encontram em situação difícil. Os lucros operacionais das empresas que fazem parte do índice da Standard and Poor´s caíram 17%, no segundo trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2008. A previsão dos analistas para a queda era maior.
Segundo dados da Bloomberg, no final de junho último, 336 instituições financeiras nos Estados Unidos, entre as quais estavam o Citigroup, o Suntrust Bank e o Marshall&IlsleyCorp, estavam sendo negociadas por menos de 60% dos valores contábeis. Há casos de bancos em que o valor de mercado não chega a 10% do valor contábil. É o caso do Colonial Bancgroup do estado do Alabama, que apresenta 26,4 bilhões de dólares em ativos, mas está com valor de mercado estimado em 126 milhões de dólares. É semelhante à situação do Citizens Republic Bancorp, de Flint, Michigan, cidade que já abrigou uma das mais poderosas montadoras de veículos da história, a GM. Em conseqüência da crise imobiliária, algumas partes da cidade estão sendo demolidas e o banco, com 13 bilhões de dólares em ativos, está com valor de mercado de 91 milhões de dólares, ou seja, 7% do valor contábil.
A recuperação do setor financeiro, como se sabe, vem sendo realizada com a colaboração direta do governo. O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, possui um programa que oferece aos investidores empréstimos em condições favoráveis, para quem use o dinheiro na compra de títulos de dívida tóxica, como os atrelados aos cartões de crédito e às hipotecas.
O número de trabalhadores norte-americanos desempregados continua a aumentar, embora o ritmo desse aumento esteja se reduzindo. Os novos pedidos de seguro desemprego atingiram o menor nível desde o início do ano.
Já as taxas de inadimplência sobre as hipotecas residenciais do tipo prime mais que dobraram em 12 meses. De 1,1% no primeiro trimestre de 2008, passaram para 2,9% no mesmo período do ano corrente.
A polêmica sobre o real diagnóstico da economia norte-americana foi ampliada através da divulgação de opiniões como do mega-investidor Warren Buffet. Ele considera que o pacote de estímulos econômicos do governo de US$ 787 bilhões realizado a poucos dias foi equivalente a apenas “meio Viagra”. Para Buffet, outra rodada de investimentos seria bem vinda para ajudar a economia a sair por completo da crise. E alerta: “Não estamos em queda livre, mas não estamos em recuperação.”
Para Paul Krugman, atual Prêmio Nobel de Economia, um novo plano será necessário para evitar um problema social maior causado pelo alto desemprego. Uma pesquisa realizada pelo jornal Wall Street mostrou a opinião de economistas que alertam para a necessidade de esperar os resultados das ações deste pacote antes de se realizarem outros.
O presidente Barack Obama, em um encontro com o presidente Lula na semana passada, informou que a economia americana “não terá tão cedo os níveis de consumo do passado” e que os países que mais dependem de exportações para os Estados Unidos vão precisar recorrer a outros mercados como o interno.
Já no Brasil, foi bastante divulgado no noticiário nacional o impacto da redução ocorrida na taxa Selic. A queda da taxa básica de juros, de 13,75%, para 9,25% ao ano, no primeiro trimestre, ocasionará uma economia de quase R$ 40 bilhões, com juros da dívida, em 12 meses. Com a taxa de juros real (o juro básico descontado a inflação) em torno de 4,64 pontos percentuais ao ano, o país se aproxima das taxas de juros reais apresentadas em países desenvolvidos, apesar de continuar a ser a quinta maior do mundo.
A interrogação dos economistas é se tal nível de juro será permanente, em razão dos “sólidos fundamentos macroeconômicos”, ou se é uma eventual conseqüência da crise mundial financeira. Para André Modenesi, pesquisador do IPEA, as mudanças ocorridas na economia brasileira não indicam que o atual nível da taxa de juros permanecerá definitivamente. Modenesi ainda explica: “Continuo tendo razões para crer que a inflação é pouco sensível à Selic e que, portanto, haverá uma correção na política monetária, quando retornarmos a uma situação de normalidade”.
Já o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros questiona a demora das taxas bancárias em cair, apesar da redução do juro de referência. Para ele, “o crédito continua tão caro quanto antes.” De fato, a análise das instituições financeiras mostra que, desde novembro do ano passado, houve uma redução de 11 pontos percentuais do juro bancário, mas o spread médio para empréstimos às empresas já subiu quatro pontos percentuais e os juros encontram-se atualmente em 47,3% ao ano. Além disso, desde o último trimestre de 2008, os prazos destes empréstimos caíram, em média, 40 dias, reduzindo-se para 270.
Enquanto os bancos estatais estão concentrando suas atividades no crédito pessoal, os bancos privados operam com atividades consideradas de maior garantia, como o financiamento de veículos ou de imóveis.
A situação de incerteza continua em relação ao desempenho da produção industrial e da balança comercial no próximo semestre deste ano.
O uso da capacidade instalada da indústria aumentou de abril para maio, encontrando-se em 79,8%, conforme a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Apesar dos sinais de recuperação), o nível atual está 83,1% abaixo do verificado em maio de 2008.

Utillização da capacidade instalada na indústria - Jul./09(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: Dados retirados do http://www.ipeadata.gov.br


Entre os setores que apresentaram utilização da capacidade acima da média estavam incluídos àqueles voltados para o mercado interno, como vestuário (83,1%) e o refino de álcool (89,6%). Os que tiveram menores resultados foram os setores madeireiro (63,1%) e de metalurgia básica (70,8%), com tradição exportadora. Para Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da CNI, “o consumo doméstico tem dado sustentação à atividade econômica, mas por si só não é suficiente para levál-a de volta aos patamares registrados em 2008.”
Nos primeiros 125 dias úteis do ano, o comércio externo tem sofrido as conseqüências da crise financeira internacional. As exportações caíram 22,1% e as importações, 29,1%, em relação ao mesmo período do ano passado. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior está preocupado com a substituição dos bens de capital e de consumo nacionais por importados, pois se verificou que, no semestre, as importações de manufaturados registraram quedas inferiores à retração ocorrida na produção dos mesmos itens no país. Alem disso, a participação dos produtos brasileiros no mercado externo é dificultada pela concorrência, pelas barreiras comerciais e pela retração do consumo em países como Estados Unidos e Argentina, principais destinos das exportações brasileiras.

Exportações, importações e saldo da Balança Comercial - Brasil(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: Dados retirados do http://www.ipeadata.gov.br

Se, por um lado, tem sido comemorado o bom desempenho da venda de veículos novos em razão do incentivo concedido pelo governo através da redução do IPI, as exportações apresentaram resultados nada animadores: as vendas de automóveis e de caminhões para o exterior tiveram queda de 46,3% e 67,5% no primeiro semestre.
A existência de filas para a aquisição de alguns modelos de veículos não pode ser motivo de euforia. Para Paulo Butori, o presidente do Sindipeças, entidade que reúne os fabricantes de autopeças, estas filas de espera ocorrem pelo “pé no freio” das montadoras e não pela falta de capacidade de atender à demanda, do setor de autopeças. Os fabricantes deste setor amargaram uma queda de 26,8% no faturamento nos primeiros cinco meses do ano. Enquanto o corte de funcionários das montadoras foi de 12 mil vagas nos últimos nove meses, no setor de autopeças foi de quase 40 mil.
As siderúrgicas também vivem momento de profunda crise e, sem demanda suficiente, paralisam as usinas. Foi o caso do pólo da Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar), no município de Marabá, que reduziu a produção de ferro-gusa, e da usina da Gerdau, em Charqueadas, Rio Grande do Sul, que demitiu 25% de seus funcionários ou “colaboradores”. Uma das principais causas para isto foi a queda das exportações.
Diante desta realidade, aqueles que continuam a acreditar em uma recuperação rápida dos emergentes, como alternativa para a melhora do atual panorama, terão que repensar os seus conceitos. Segundo o vice-diretor do FMI, Murilo Portugal, seria ilógico pensar que, com a atual integração da economia no mundo, o que ocorre nos blocos europeu e estadunidense, que representam mais de 50% do produto mundial, não tenha repercussão no resto dos países. Opinião similar é de um dos dirigentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Santiago Levy. Este explica que, se a recuperação das economias desenvolvidas for em V, o crescimento da América Latina será em torno de 3,5%, nos próximos anos, mas se a recuperação for em L, o impacto negativo será maior para a região.
Por incrível que pareça, como vêem os leitores, nosso destino está ligado a uma questão alfabética!

Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira
progeb@ccsa.ufpb.br

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