quinta-feira, 26 de setembro de 2019

A quem serve o governo brasileiro?


Semana de 16 a 22 de setembro de 2019

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Que a nossa economia vai mal, não é novidade. Que a economia do mundo ruma para o abismo, também não. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou que a produção mundial de bens e serviços crescerá 2,9% este ano, menor avanço desde 2009. Internamente, o Banco Central tentando dar algum ânimo à economia, reduziu a Selic de 6% para 5,5% ao ano, diante dos dados conjunturais divulgados diariamente que ratificam a debilidade econômica.
Segundo números apurados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), 11 de 14 ramos de atividade industrial estão com demasiada capacidade ociosa. Em agosto, a utilização média da capacidade instalada da indústria de transformação fechou em 75,8%, número inferior a 80%, média histórica da série. Pior ainda é a situação do setor de máquinas e equipamentos com uso de apenas 66% da capacidade. Estes resultados dizem muito acerca da lentidão da recuperação brasileira. O setor de máquinas e equipamentos é o principal responsável pela Formação Bruta de Capital Fixo, indicador do investimento interno. Sem vislumbrar recuperação da demanda, a indústria tem adiado os investimentos, o que contribui para o aumento da ociosidade no setor e pior, para a obsolescência do parque industrial brasileiro o que certamente resultará em perda de competitividade.
Este elemento conjuntural pode levar ao agravamento de problemas estruturais e que ao longo dos anos jamais foram tratados pelos governos. O setor industrial está apinhado de exemplos. É sabido que a demanda por produtos industriais suscita demandas em outros setores industriais na forma de insumos, gerando um efeito multiplicador sobre o emprego e a renda de diversos setores. Mas, estudo realizado pela Escola de Administração de Empresas da FGV de São Paulo mostra que a indústria brasileira vem perdendo esta capacidade nas últimas décadas. Além de importarmos mais produtos manufaturados do que exportamos, o coeficiente de importação de insumos industriais tem crescido significativamente. O pior é que esta dependência por insumos se situa nos setores de maior conteúdo tecnológico, o que significa que não estamos criando internamente os efeitos de arrastamento necessários ao desenvolvimento. A política industrial foi relegada ao segundo plano nos últimos governos e no atual, ela foi liquidada com a extinção e fusão do Ministério da Indústria e Comércio Exterior ao da Economia.
Mas, o setor parece satisfeito com os “afagos” que lhe são fornecidos. O desmonte da legislação trabalhista e o engodo de que este trará os empregos de volta, ajudou a aprovar a Medida Provisória da Liberdade Econômica. Entre as medidas, estão o registro obrigatório dos horários de entrada e saída do trabalho somente para empresas com mais de 20 funcionários (antes o mínimo eram 10 empregados) e a emissão preferencial da carteira de trabalho pela via eletrônica. Os patrões terão prazo de até 5 dias úteis para fazer as anotações na Carteira de Trabalho (antes, eram 48 horas).
Mais uma vez, mostrando a quem serve, o governo estuda (mesmo pregando o arrocho fiscal) reabrir o Refis, no intuito de renegociar dívidas contraídas pelo setor de agronegócio com o Fundo de Assistência do Trabalhador Rural (Funrural), estimadas em torno de R$ 11 bilhões. Se aprovada a benesse, a partir de janeiro de 2020, parte deste débito estará anistiada.
As reformas seguem. A da Previdência será aprovada a qualquer momento. A tributária está sendo discutida. E as privatizações não saíram da pauta, mesmo diante da divulgação dos altos lucros das estatais. O “top 5”, grupo composto pelo Banco do Brasil, Caixa, BNDES, Petrobras e Eletrobras, e que responde por 95% do total do resultado das empresas estatais federais, registrou, no primeiro semestre do ano, lucro líquido de R$ 60,7 bilhões, alta de 69% sobre igual período de 2018.
Enquanto Guedes faz o trabalho sujo, Bolsonaro segue soberbo cuidando do que acha que sabe. Gritou a seu grupelho no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), enaltecendo a si mesmo e combatendo inimigos imaginários como o globalismo e o socialismo.

[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com.br) Contato: rospalhano@yahoo.com.br

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