quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

A tragédia da ciência brasileira

Semana de 18 a 24 de janeiro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Nos últimos dias estamos vivendo uma verdadeira montanha russa de emoções. Por um lado, a chegada da vacina ao Brasil levou-nos a uma euforia. Por outro, a quantidade quase simbólica de vacinas e a falta de insumos para produzi-las derrubaram os ânimos. Estamos numa versão de João Grilo e Chicó, do Auto da Compadecida: tô livre, tô preso, tô livre, tô preso...

Poderíamos dedicar a análise de hoje ao imbróglio causado pela imbecilidade da diplomacia brasileira sob o comando de Jair Bolsonaro. Das suas inúmeras obradas e daquelas proferidas por sua prole, seus ministros e seus minions. Contudo, é preciso entender o porquê de a China, a Índia e até a Argentina já estarem produzindo vacinas (e seus insumos) para exportação e o Brasil não estar produzindo sequer para seus cidadãos.

Em 1965 o governo brasileiro criou o FINEP – Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas. Sinteticamente, desde sempre o principal objetivo do FINEP foi promover o desenvolvimento de projetos de modernização da estrutura produtiva do país. O dinheiro é destinado a diversos tipos de organizações: empresas privadas, como Marcopolo, WEG, Natura e BRF; empresas estatais, como Embraer e Petrobrás; bancos regionais; fundações de apoio à pesquisa; instituições de ensino superior; associações científicas; etc. Em 2004, a valores atualizados para os preços de hoje, este fundo liberou R$ 940,6 milhões para diversos projeto. A partir daí, com exceção de 2009 e 2012, este valor cresceu consistentemente, atingindo R$ 7,3 bilhões em liberações no ano de 2014. Porém, em 2015 o valor caiu para R$ 3,8 bi, chegando a R$ 2,5 bi em 2019.

Por sua vez, desde 1967, o Orçamento Federal dispõe do chamado Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O FNDCT “é um fundo de natureza contábil que tem como objetivo financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico, com vistas a promover o desenvolvimento econômico e social do País” (fonte). A fonte de recursos para o FNDCT é variada, vai desde os royalties do petróleo a empréstimos, rendimentos de aplicações e doações. O destino deles, que é gerido pela FINEP, também é variado. Os projetos vão do setor aeroespacial à saúde, passando por infraestrutura e energia nuclear.

Pois bem, em preços de 2020, o FNDCT saiu de um orçamento anual de R$ 697 milhões, em 2000, para R$ 4,9 bi em 2020. Nos anos de 2008 e 2013 os valores passaram de R$ 5 bi. Naturalmente, estas são cifras aparentemente significativas, não fossem os valores efetivamente pagos em cada ano. Entre 2000 e 2020, o valor máximo pago ocorreu em 2010, quando foram desembolsados apenas R$ 2,7 bi (estava previsto um gasto de R$ 4,8 bi). Em 2014 tivemos o último ano com gastos acima dos R$ 2 bilhões. De lá pra cá, foi ladeira abaixo. Nos últimos cinco anos, entre 2016 e 2020, o valor total pago foi de apenas R$ 4 bi. Por sua vez, a dotação inicial previa um gasto total de R$ 19,3 bi. O valor corresponde a pouco mais de 20% do previsto em lei. Desta diferença de R$ 15,3 bi, nada mais nada menos do que R$ 13,9 bi foram desviados para as “Reservas de Contingência”.

As Reservas de Contingência, oriundas de um decreto também dos anos 1960, correspondem a dotações que servem para ampliar os créditos não previstos no orçamento aprovado em lei. Ou seja, é dinheiro que sai de um canto e pode ser gasto em outro. De uma forma geral, tem servido para o governo fazer superávit ou para reduzir o déficit primário. Entre 2003 e 2020, foram R$ 27,6 bilhões desviados do FNDCT por esta via.

A conta da irresponsabilidade diplomática veio cedo. A China e a Índia estão fazendo jogo duro para “revidar” o que o Brasil tem feito desde 2019. A situação é tão crítica que Michel Temer foi até ressuscitado para resolver a parada.

Mas isso é apenas a ponta do iceberg. A conta da irresponsabilidade das políticas econômicas neoliberais demorou, mas chegou. O Brasil paga pela escolha de um projeto que só aumentou nosso atraso e nossa dependência. E há quem defenda isso!


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H. Pinto e Daniella Alves.

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