Semana de 18 a 24 de janeiro de 2021
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Nos
últimos dias estamos vivendo uma verdadeira montanha russa de emoções. Por um
lado, a chegada da vacina ao Brasil levou-nos a uma euforia. Por outro, a
quantidade quase simbólica de vacinas e a falta de insumos para produzi-las
derrubaram os ânimos. Estamos numa versão de João Grilo e Chicó, do Auto da
Compadecida: tô livre, tô preso, tô livre, tô preso...
Poderíamos
dedicar a análise de hoje ao imbróglio causado pela imbecilidade da diplomacia
brasileira sob o comando de Jair Bolsonaro. Das suas inúmeras obradas e
daquelas proferidas por sua prole, seus ministros e seus minions. Contudo, é
preciso entender o porquê de a China, a Índia e até a Argentina já estarem
produzindo vacinas (e seus insumos) para exportação e o Brasil não estar
produzindo sequer para seus cidadãos.
Em
1965 o governo brasileiro criou o FINEP – Fundo de Financiamento de Estudos de
Projetos e Programas. Sinteticamente, desde sempre o principal objetivo do
FINEP foi promover o desenvolvimento de projetos de modernização da estrutura
produtiva do país. O dinheiro é destinado a diversos tipos de organizações:
empresas privadas, como Marcopolo, WEG, Natura e BRF; empresas estatais, como
Embraer e Petrobrás; bancos regionais; fundações de apoio à pesquisa;
instituições de ensino superior; associações científicas; etc. Em 2004, a
valores atualizados para os preços de hoje, este fundo liberou R$ 940,6 milhões
para diversos projeto. A partir daí, com exceção de 2009 e 2012, este valor
cresceu consistentemente, atingindo R$ 7,3 bilhões em liberações no ano de
2014. Porém, em 2015 o valor caiu para R$ 3,8 bi, chegando a R$ 2,5 bi em 2019.
Por
sua vez, desde 1967, o Orçamento Federal dispõe do chamado Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O FNDCT “é um fundo de natureza
contábil que tem como objetivo financiar a inovação e o desenvolvimento
científico e tecnológico, com vistas a promover o desenvolvimento econômico e
social do País” (fonte).
A fonte de recursos para o FNDCT é variada, vai desde os royalties do petróleo
a empréstimos, rendimentos de aplicações e doações. O destino deles, que é
gerido pela FINEP, também é variado. Os projetos vão do setor aeroespacial à
saúde, passando por infraestrutura e energia nuclear.
Pois
bem, em preços de 2020, o FNDCT saiu de um orçamento anual de R$ 697 milhões,
em 2000, para R$ 4,9 bi em 2020. Nos anos de 2008 e 2013 os valores passaram de
R$ 5 bi. Naturalmente, estas são cifras aparentemente significativas, não
fossem os valores efetivamente pagos em cada ano. Entre 2000 e 2020, o valor máximo
pago ocorreu em 2010, quando foram desembolsados apenas R$ 2,7 bi (estava
previsto um gasto de R$ 4,8 bi). Em 2014 tivemos o último ano com gastos acima
dos R$ 2 bilhões. De lá pra cá, foi ladeira abaixo. Nos últimos cinco anos,
entre 2016 e 2020, o valor total pago foi de apenas R$ 4 bi. Por sua vez, a
dotação inicial previa um gasto total de R$ 19,3 bi. O valor corresponde a
pouco mais de 20% do previsto em lei. Desta diferença de R$ 15,3 bi, nada mais
nada menos do que R$ 13,9 bi foram desviados para as “Reservas de
Contingência”.
As
Reservas de Contingência, oriundas de um decreto também dos anos 1960,
correspondem a dotações que servem para ampliar os créditos não previstos no
orçamento aprovado em lei. Ou seja, é dinheiro que sai de um canto e pode ser
gasto em outro. De uma forma geral, tem servido para o governo fazer superávit
ou para reduzir o déficit primário. Entre 2003 e 2020, foram R$ 27,6 bilhões
desviados do FNDCT por esta via.
A
conta da irresponsabilidade diplomática veio cedo. A China e a Índia estão
fazendo jogo duro para “revidar” o que o Brasil tem feito desde 2019. A
situação é tão crítica que Michel Temer foi até ressuscitado para resolver a
parada.
Mas isso é apenas a ponta do iceberg. A conta da irresponsabilidade das políticas econômicas neoliberais demorou, mas chegou. O Brasil paga pela escolha de um projeto que só aumentou nosso atraso e nossa dependência. E há quem defenda isso!
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H.
Pinto e Daniella Alves.
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