Semana 20 a 26 de março de 2023
Nelson Rosas Ribeiro[i]
Este foi o simbolismo criado pelo
jornalista Reinaldo Azevedo para o Banco Central (BC) do Brasil: o carcará.
Lembramos os anos 60 e a música do João do Vale com este nome, que se tornou
conhecida por fazer parte do roteiro do “Show Opinião”, espetáculo teatral de
grande sucesso em 1965. O carcará, gavião muito comum no Nordeste, era
apresentado como símbolo de combatividade e que, para não morrer de fome, “os
borrego que nasce na baixada”, “carcará pega, mata e come”. Com efeito, o BC, assumindo o papel do
carcará, ao continuar inflexível em sua marcha contra os interesses do país,
mantendo os juros de referência Selic em 13,75%, ameaça matar a própria
economia. (Selic é a taxa que o país paga pelos seus títulos lançados no
mercado). Na sua última reunião, como já se esperava, o BC manteve a Selic nos
13,75% em que estava. Esta é a maior taxa do mundo, em torno de 8% em termos
reais.
Ora, já vimos em análises anteriores o que
significam, para as atividades econômicas, taxas de jutos elevadas, ao
dificultar os investimentos, o financiamento da atividade produtiva e do
consumo. Isto no momento em que o país atravessa um período de dificuldades e
tenta articular uma retomada no seu crescimento depois do tsunami da política
econômica do desgoverno anterior. Para não falar nas dificuldades de
reestruturar o próprio Estado quase destruído pela incompetência e fanatismo de
uma horda de fanáticos que infelizmente ainda ronda por aí a ranger os dentes.
A intransigência do BC em manter a Selic no
atual nível, tem provocado muita polêmica entre os economistas e com a equipe
econômica do governo. E o número de vozes condenando a decisão vem aumentando.
A mais recente condenação veio dos participantes de um seminário no Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), promovido em parceria
com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O Professor Jeffrey Sachs, da
Universidade de Columbia nos EUA, condenou as taxas de juros elevadas afirmando:
“O Brasil é punido por taxas de juros altíssimas, por políticas de juros altos
do Banco Central, que acho muito difíceis de explicar.” “A situação fiscal do
Brasil é totalmente distorcida através de juros extraordinariamente altos.”
Acrescentou ainda que “Não é o momento para austeridade fiscal, mas de aumento
dos investimentos públicos, ...”. O prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz
também afirmou: “A taxa de juros de vocês é realmente chocante. Os números de
13,75% (taxa Selic nominal) e 8% (juros reais) são o que vai matar qualquer
economia”. O economista André Lara Resende, também participante do seminário,
destacou que a combinação de juros e impostos altos é “profundamente recessiva
e impede o crescimento da economia”. O presidente da Fiesp, Josué Gomes
considerou que a taxa vigente é “pornográfica”. O tom de condenação foi o mesmo
de vários outros economistas presentes.
Diante de tão ilustres condenações as
críticas feitas pelo presidente Lula tornam-se apenas politicamente simbólicas.
Só há uma coisa a reparar nas observações por ele feitas. Não são os livros de
economia que estão superados. É a própria teoria econômica que é professada
oficialmente e que é ensinada nas escolas de economia que não é científica e
sim uma crença ideológica. Os diretores do BC, bem como todos os economistas
ortodoxos, são os fanáticos propagadores destas teorias. Quando têm poderes
para aplicá-las, ao assumir funções de Estado, as consequências são as que
estamos observando.
Em relação à diretoria do BC a coisa é ainda pior. A “independência” do BC que foi aprovada no congresso é uma manobra suja para entregar a direção do banco ao setor financeiro. Puseram a raposa para tomar conta do galinheiro. Um grupo de cientistas da UFPR publicou um estudo “Os mandarins da economia” demonstrando que existe uma “porta giratória” entre o BC e o mercado financeiro. A maioria esmagadora dos diretores do BC são recrutados no setor financeiro e quando saem da diretoria voltam para suas empresas novamente. A “independência” é a dependência do capital financeiro.
[i] Economista,
Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e
Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram
os pesquisadores: Guilherme de Paula, Marília Cecília Fernandes e Nertan
Gonçalves.