quarta-feira, 29 de março de 2023

Carcará ... pega mata e come

Semana 20 a 26 de março de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Este foi o simbolismo criado pelo jornalista Reinaldo Azevedo para o Banco Central (BC) do Brasil: o carcará. Lembramos os anos 60 e a música do João do Vale com este nome, que se tornou conhecida por fazer parte do roteiro do “Show Opinião”, espetáculo teatral de grande sucesso em 1965. O carcará, gavião muito comum no Nordeste, era apresentado como símbolo de combatividade e que, para não morrer de fome, “os borrego que nasce na baixada”, “carcará pega, mata e come”.  Com efeito, o BC, assumindo o papel do carcará, ao continuar inflexível em sua marcha contra os interesses do país, mantendo os juros de referência Selic em 13,75%, ameaça matar a própria economia. (Selic é a taxa que o país paga pelos seus títulos lançados no mercado). Na sua última reunião, como já se esperava, o BC manteve a Selic nos 13,75% em que estava. Esta é a maior taxa do mundo, em torno de 8% em termos reais.

Ora, já vimos em análises anteriores o que significam, para as atividades econômicas, taxas de jutos elevadas, ao dificultar os investimentos, o financiamento da atividade produtiva e do consumo. Isto no momento em que o país atravessa um período de dificuldades e tenta articular uma retomada no seu crescimento depois do tsunami da política econômica do desgoverno anterior. Para não falar nas dificuldades de reestruturar o próprio Estado quase destruído pela incompetência e fanatismo de uma horda de fanáticos que infelizmente ainda ronda por aí a ranger os dentes.

A intransigência do BC em manter a Selic no atual nível, tem provocado muita polêmica entre os economistas e com a equipe econômica do governo. E o número de vozes condenando a decisão vem aumentando. A mais recente condenação veio dos participantes de um seminário no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), promovido em parceria com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O Professor Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia nos EUA, condenou as taxas de juros elevadas afirmando: “O Brasil é punido por taxas de juros altíssimas, por políticas de juros altos do Banco Central, que acho muito difíceis de explicar.” “A situação fiscal do Brasil é totalmente distorcida através de juros extraordinariamente altos.” Acrescentou ainda que “Não é o momento para austeridade fiscal, mas de aumento dos investimentos públicos, ...”. O prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz também afirmou: “A taxa de juros de vocês é realmente chocante. Os números de 13,75% (taxa Selic nominal) e 8% (juros reais) são o que vai matar qualquer economia”. O economista André Lara Resende, também participante do seminário, destacou que a combinação de juros e impostos altos é “profundamente recessiva e impede o crescimento da economia”. O presidente da Fiesp, Josué Gomes considerou que a taxa vigente é “pornográfica”. O tom de condenação foi o mesmo de vários outros economistas presentes.

Diante de tão ilustres condenações as críticas feitas pelo presidente Lula tornam-se apenas politicamente simbólicas. Só há uma coisa a reparar nas observações por ele feitas. Não são os livros de economia que estão superados. É a própria teoria econômica que é professada oficialmente e que é ensinada nas escolas de economia que não é científica e sim uma crença ideológica. Os diretores do BC, bem como todos os economistas ortodoxos, são os fanáticos propagadores destas teorias. Quando têm poderes para aplicá-las, ao assumir funções de Estado, as consequências são as que estamos observando.

Em relação à diretoria do BC a coisa é ainda pior. A “independência” do BC que foi aprovada no congresso é uma manobra suja para entregar a direção do banco ao setor financeiro. Puseram a raposa para tomar conta do galinheiro. Um grupo de cientistas da UFPR publicou um estudo “Os mandarins da economia” demonstrando que existe uma “porta giratória” entre o BC e o mercado financeiro. A maioria esmagadora dos diretores do BC são recrutados no setor financeiro e quando saem da diretoria voltam para suas empresas novamente. A “independência” é a dependência do capital financeiro.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Marília Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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sexta-feira, 24 de março de 2023

PIB x BC: a batalha pela vida

Semana de 13 a 19 de março de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Há duas semanas saíram os números do PIB brasileiro para 2022. Como vimos, o crescimento de 2,9% não foi ruim (comparando-se com nosso histórico recente). Porém, estamos muito longe do ideal. Nesta análise vou abordar pontos que não foram levantados naquele momento.

Como já foi dito em análises passadas, o capitalismo é um sistema que cria condições para que o crescimento econômico alterne entre momentos de maior ou menor intensidade da produção, do emprego, dos salários, do lucro etc. Isso já foi comprovado por diversos trabalhos científicos. Este fenômeno é chamado de ciclo econômico e está dividido em quatro fases: crise, depressão (ou fundo do poço), reanimação e auge. A economia mundial iniciou sua última crise entre 2018 e 2019. Mas logo em seguida veio a Pandemia de Covid-19, que “atrapalhou” a plena manifestação desta crise. Chegados a vacina e o fim das regras rígidas de isolamento social, a economia “voltou” à normalidade. Assim, a destruição de capitais em excesso, interrompida pela ajuda dos Estados durante a Pandemia, voltou a atacar em meados de 2022. Como tem sido a característica das últimas crises desde os anos 1990, este retorno tem como gatilho a quebra de instituições financeiras no principal centro dinâmico do sistema capitalista: os EUA. Por sua vez, como um país integrado (de forma dependente) à economia mundial, é inevitável ao Brasil sofrer com o retorno desta crise.

É nesse contexto que um crescimento de 2,9% é bom, porque está acima da média brasileira nos anos anteriores à Pandemia. Mas também é ruim, porque o Brasil cresceu menos do que a maior parte dos países relevantes no mundo. Soma-se a isso o fato de que o pior ainda está por vir. Por isso mesmo (por estarmos em meio a uma crise) as medidas eleitoreiras adotadas por Bolsonaro em 2022 tiveram um fraco resultado de médio/longo prazo. Foram “eficientes” apenas enquanto estavam vigentes. Em condições favoráveis (quando não estamos no meio de uma crise), os estímulos (mesmo que pontuais) tendem a se propagar no tempo. Isto acontece através dos chamados efeitos multiplicadores: quando aumenta a renda, aumenta o consumo, que aumenta a produção, que aumenta o emprego, que aumenta a renda, que aumenta o consumo...

É nesse contexto que se trava a batalha entre o democraticamente-eleito Presidente da República, Lula, e o indicado-por-Bolsonaro Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (neto em uma longa linhagem de banqueiros notórios da história brasileira, sendo seu avô um dos pilares da política econômica do início da Ditadura Militar). Como temos visto nos noticiários, o BC está mantendo uma política de juros elevados, ao ponto de termos a maior taxa real de juros do mundo. Porém, isto tem como resultado imediato a desaceleração da atividade econômica. Dentre outros, o motivo é que, pelo lado do crédito, tomar dinheiro emprestado fica (ainda) mais caro. Com isso, empresas e consumidores retraem seu consumo e isso esfria a produção, a renda etc. Pelo lado do custo de oportunidade, quem tem dinheiro disponível tende a colocar seu dinheiro em aplicações referenciadas na taxa Selic, que paga mais e com menor risco em relação a muitos investimentos produtivos. Ou seja, a atual política monetária contribui para aprofundar os efeitos da atual crise econômica, o que vai de encontro ao projeto político aprovado pela maioria da população brasileira nas Eleições de 2022.

Sem adentrar na discussão sobre esse “erro” que o BC tem cometido há algum tempo, coisa que fiz em outra análise (link), apenas duas coisas podem justificar a atual política de juros: o objetivo do BC ou é manter a renda de uma pequena parcela da população, os famosos rentistas; ou é piorar a situação das empresas que já estão sofrendo com a crise atual. Por mais perversa que pareça, esta última opção traz um resultado positivo para alguém: quando entram em falência, as empresas (como a Americanas, para citar só um exemplo) são engolidas por outras gigantes. Saem ganhando quem tem capital para comprar a massa falida. Seria muito maquiavelismo pensar nessa hipótese, mas é a realidade. Em outra ocasião voltamos a este assunto.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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quinta-feira, 16 de março de 2023

Tensão internacional e calma interna

Semana de 06 a 12 de março de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Enquanto a tensão continua a agravar-se pelo mundo no país a crise prossegue com a economia em desaceleração. Apesar disto o Banco Central (BC) bate no peito e declara sua intenção de manter a taxa Selic em alta e mesmo aumentar mais ainda. Para conter o aumento dos preços o BC teimosamente tenta desacelerar a economia, e já está conseguindo. O BC rema contra a maré e age contra as intenções do governo que pretende relançar a economia. Aliás, este é o seu grande desafio.

As promessas de campanha, de melhorar a vida das pessoas, obrigam a tomada de decisões neste sentido. Vão nesta direção o aumento do salário-mínimo, a retomada das obras públicas e, em particular, do “Minha casa minha vida”, a ação dos bancos públicos para a redução dos juros e, enfim, a retomada do funcionamento de todos os serviços prestados pelos ministérios, ou seja, a restauração do funcionamento do aparelho de Estado desativado pelo desgoverno anterior que nunca governou.

A elevação dos juros, consequências da política do BC, tem provocado restrições no crédito e dificultado a situação das empresas que, com a queda nas vendas não conseguem repor os caixas. A quebra das Americanas é um exemplo. As empresas de avaliação de riscos Moody’s e Fitch já rebaixaram a classificação de várias empresas brasileiras, o que as coloca em situação mais difícil para conseguir recursos para suas operações. Esta situação vem provocando manifestações e protestos de entidades representativas dos setores industriais e comerciais e mesmo dos bancos. Com juros altos desestimula-se o consumo e a produção, o que, na opinião do BC, é o caminho para combater a inflação. Os diretores do banco, liderados pelo seu badalado presidente Roberto Campos Neto, e fiéis à sua fanática ideologia econômica, pensam que podem acabar com a guerra na Ucrânia, impulsionar a economia da China, reconstruir as cadeias de valor globais, restaurar o comércio mundial e as linhas de comunicação internacionais com a elevação da Selic. Grande Roberto!

Apesar das “boas intenções” do nosso badalado Bob Fields, a economia mundial não vem se comportando bem como se poderia desejar.  Para tristeza geral a China propõe como meta de seu crescimento uma taxa considerada “mixuruca” de 5%. Para fúria dos EUA, no entanto, ela propõe para o seu orçamento da defesa, uma taxa de crescimento de 7,2% de seu PIB. Eis o resultado do aumento das tensões provocado pela guerra da Ucrânia e pelas manobras em torno da ilha de Taiwan. A aproximação e o estreitamento da aliança entre China e Rússia, agravado pela possibilidade do fornecimento de armas chinesas para a guerra, tem provocado crises de pelanca entre os caquéticos generais da OTAN e seus patrões americanos. Curiosamente ninguém condena o fornecimento de armas por todos os países da União Europeia às forças ucranianas. Os EUA pressionam mesmo todos os seus amigos mundo afora para a colaboração na guerra e até o Brasil já foi sondado e felizmente teve a sensatez de se recusar.

Durante a semana as tensões aumentaram com uma severa advertência feita pela China aos EUA e com a derrubada de um drone americano pelos caças russos sobre o Mar Negro. Aliás, a economia americana não anda muito bem das pernas. Apesar dos sinais de crescimento e queda do desemprego a inflação continua a ser uma ameaça. Lendo pela mesma cartilha do nosso BC o Federal Reserve (Fed), BC americano, está declarando que pretende aumentar os juros, hoje no intervalo entre 4,5% e 4,75%, para 5,75% a 6%.

  O panorama político parece ter encontrado uma certa estabilidade. Pelo menos isto. Apesar das tensões criadas pela criação de uma CPI dos acontecimentos de Brasília, as duas casas voltaram a funcionar normalmente. Até a situação com os militares atravessa um período de calmaria. O governo conseguiu encontrar algumas dezenas deles que merecem a farda que vestem. Assiste-se um retorno organizado aos quarteis. Esperemos que esta tendência se mantenha e que as punições que virão, como consequência da apuração de sua participação nas bandalhas do desgoverno Bolsonaro, não os assanhem novamente.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula e Maria Cecília Fernandes.

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quarta-feira, 8 de março de 2023

Saiu o resultado do PIB de 2022. Tudo dentro do esperado...

Semana de 27 de fevereiro a 05 de março de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Na última sexta-feira saiu o resultado do PIB brasileiro de 2022. Essa conta mostra o total de riqueza produzida no território nacional ao longo de todo o ano passado. De acordo com os dados oficiais do IBGE, o PIB de 2022 cresceu 2,9% sobre o que tinha sido o PIB de 2021. Pelo nosso histórico recente, isto parece bom.

Tirando o momento excepcional da abertura pós flexibilização das regras de isolamento da pandemia, estamos (mal) acostumados com um pífio crescimento econômico desde o governo Temer. Entre 2015 e 2020, o Brasil cresceu a uma taxa máxima de 1,8%. Não por acaso, esse é o período em que as reformas neoliberais (chamadas de “modernizantes”) foram recolocadas na agenda política brasileira (reforma trabalhista, reforma previdenciária, abertura comercial, redução do papel do Estado na economia, privatizações, etc.).

Porém, analisando o movimento da economia brasileira ao longo de todo o ano passado, vê-se que a coisa foi piorando rapidamente. De fato, nos três primeiros meses de 2022 tivemos um forte crescimento, subindo 1,3% em relação ao bom último trimestre de 2021. Se esse ritmo tivesse se mantido, o crescimento do Brasil no ano passado seria pra mais de 5%. O que explica esse alto percentual são os resquícios da recuperação pós abertura (em 2021) e as medidas eleitoreiras tomadas por Bolsonaro já no começo de 2022, ano do pleito presidencial.

Já no segundo trimestre de 2022, vimos uma desaceleração do crescimento, que ficou em 0,9% sobre o trimestre anterior. Nesse momento, já preocupado, Bolsonaro anunciou novas medidas eleitoreiras. Por sua vez, no terceiro trimestre de 2022 a coisa piorou ainda mais. O crescimento desacelerou para míseros 0,3%, mesmo Bolsonaro adotando medidas desesperadas (até ilegais) para se reeleger. Por fim, nos três últimos meses de 2022 a economia brasileira encolheu, decresceu, reduziu de tamanho em 0,2% quando comparada com o trimestre anterior.

A análise setorial mostra que houve uma grande contribuição dos Serviços no PIB total brasileiro. No conjunto, o setor cresceu 4,2% entre 2021 e 2022. No caso da Indústria Geral, o crescimento foi de 1,6%. Entretanto, recortando por tipo de indústria, vemos comportamentos divergentes. As atividades extrativas e da indústria de transformação decresceram 1,7% e 0,3% no período, respectivamente. O que puxou a indústria geral para cima foram as atividades de Eletricidade e gás, água e esgoto (10,1%) e a Construção civil (6,9%). Outro grande setor que freou o crescimento do Brasil foi a Agropecuária, que viu seu PIB diminuir 1,7% entre 2021 e 2022.

Pelo lado do consumo, as maiores contribuições para o PIB de 2022 vieram do Consumo das Famílias (aumento de 4,3% em relação a 2021) e do comércio externo, com o forte aumento das Exportações (5,5%) e o fraco crescimento das Importações (0,8%). Já o Consumo do Governo cresceu apenas 1,5% em 2022, sendo os Investimentos a conta de pior desempenho, crescendo míseros 0,9% no período.

Como afirmei no título da análise, esse era um resultado já esperado pelos analistas do “mercado”. Todos sabiam que as medidas de Bolsonaro teriam efeito positivo rápido, mas de curto prazo. De longo prazo essas medidas deixaram apenas o custo, que está sendo pago pelo atual governo.

Para além do óbvio, feito aqui nesta análise e que sempre é feito nos noticiários oficiais, certamente o caro leitor está esperando uma análise mais aprofundada desses dados apresentados. Garanto que isto será feito nas próximas semanas, pois o espaço aqui é limitado. Mas, posso adiantar alguns elementos que devem ser levados em conta: em que fase do seu movimento cíclico a economia mundial está? Em que fase do ciclo o Brasil está? Quais foram os gatilhos para a crise que agora já atinge a economia mundial e a brasileira? Por que as medidas de Bolsonaro no ano passado não tiveram um impacto maior? E, a partir das respostas, o que esperar para o Brasil em 2023?

Aguardem as cenas dos próximos capítulos...


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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segunda-feira, 6 de março de 2023

Para o BC, contra a crise... os juros

Semana 20 a 26 de fevereiro de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Começo desculpando-me pela ausência durante estas semanas. Embora não tenha escrito as Análises acompanhei à distância as reuniões do Grupo de Análise de Conjuntura, graças à internet. Estive fora do país por razões familiares. Acabando de chegar integro-me totalmente às atividades.

De fora pude observar o desgaste que o desastroso governo passado causou à imagem do país. Tive muita vergonha e dificuldade para explicar como foi possível a eleição de tal monstruosidade e como ele conseguiu manter-se no poder durante os quatro anos. Todos esperam agora, com ansiedade, que o novo presidente consiga conduzir o país de volta aos trilhos e recupere o prestígio que já havia conseguido.

De volta ao batente e restabelecendo o contato com a dura realidade começo constatando a justeza de nossas análises anteriores. As últimas Análises do Professor Lucas Milanez discutiram muito bem o problema dos juros no país e a independência do Banco Central (BC). Este é o assunto da atualidade e certamente ainda voltaremos a abordá-lo. A semana passada, foi pobre de notícias. Afinal os analistas e jornalistas também gostam do carnaval. Apesar disto não se pode omitir alguns sintomas da crise que, como temos afirmado aqui, aproxima-se apesar de todos os esforços eleitoreiros que resultaram em derrame de bilhões de reais na economia, na vã tentativa de ganhar as eleições. Na verdade, serviu para adiar um pouco o avanço do fenômeno empurrando-o para depois do pleito. Mas, como sabemos, as medidas de política econômica não podem abolir as leis econômicas, mas apenas interferir na sua ação acelerando ou retardando seus efeitos. Agora temos o resultado.

O Boletim Macro da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), na sua edição de fevereiro, aponta que a atividade econômica vem desacelerando e a economia está perdendo fôlego. O Boletim aponta como causas a política monetária restritiva do BC e a desaceleração global. Novamente a questão dos juros. Observam-se o arrefecimento da demanda, o aumento dos estoques e a falta de insumos. Os índices de confiança empresarial (ICE) e do consumidor (ICC) continuam em queda. As famílias reprimem o consumo diante do endividamento e insegurança e, sem a pressão da demanda, os empresários reduzem os investimentos e as contratações. As sondagens da FGV Ibre sobre o mercado de trabalho mostram que 41,3% da população maior de 14 anos admitia insegurança sobre o trabalho no final de 2022.

Confirmando estas preocupações o IBGE divulgou os dados para a economia em 2022. Segundo este instituto o Produto Interno Bruto (PIB) teve um crescimento real de 2,2%, com os serviços crescendo 4,2%, a Indústria apenas 1,6% e a agropecuária encolhendo -1,7%. A queda da indústria de transformação foi de -0,3%. Quando se observa a evolução ao longo dos trimestres a situação torna-se mais preocupante pois fica evidente a progressiva desaceleração da economia. No quarto trimestre do ano, o PIB decresceu -0,2% e a Indústria -0,3%. O PIB vinha caindo desde o começo do ano passando de 1,3% de crescimento, no primeiro trimestre, para 0,9% no segundo e 0,3% no terceiro. O quarto foi finalmente negativo, ou seja, a economia encolheu. Começamos o ano com a economia em desaceleração contrariando todas as declarações do então sinistro da economia, o boquirroto Paulo Guedes, agora recolhido a sua insignificância e certamente fazendo render o milhões que ele surripiou utilizando-se de sua posição privilegiada de ministro.

 Mesmo com este quadro de desaceleração e pessimismo o BC manteve-se irredutível com sua política de juros altos. Este é o remédio utilizado para uma inflação provocada por um excesso de demanda. O raciocínio é elementar: quando muita gente compra os preços sobem. Esta é a única teoria que o BC e seus economistas conhecem. Para estes diretores esta é a única causa da inflação. Eles rezam pela mesma bíblia que é a adotada pelas escolas de economias.  É uma questão de demência ideológica fanática. E vão continuar a assim proceder mesmo indo a economia para o brejo.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Nertan Alves, Maria Cecília Fernandes.

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sexta-feira, 3 de março de 2023

O Banco Central está errado, e não é de hoje...

Semana de 13 a 19 de fevereiro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Encerrando uma sequência de três semanas abordando o mesmo tema, hoje vou tratar de uma questão que está no debate atual, mas não é uma novidade: o “erro” do Banco Central do Brasil no combate à inflação. Desde que começou sua atual política de juros, em 17 de março de 2021, o BC tem sofrido severas críticas de alguns acadêmicos e analistas que perceberam, desde então, a ineficácia dessa medida. Até aquele momento, a taxa Selic estava em 2% ao ano. Em 16 de março de 2022, um ano depois, a Selic já estava em 11,75% a.a.

Quando o BC iniciou a escalada dos juros, a pandemia de Covid-19 já estava sendo combatida pelas diversas vacinas disponíveis. Porém, ainda não o suficiente para se organizarem as cadeias produtivas de diversos ramos ao redor do planeta. Faltavam componentes e insumos para setores específicos. Com isto, faltaram alguns produtos no mercado mundial e seus preços subiram.

Soma-se a isso o fato de que, também em 2021, houve a reabertura da maioria dos países, a retomada de algumas atividades econômicas e, com isso, maior especulação. Resultado: tivemos uma forte elevação nos preços de algumas mercadorias que o mundo todo usa e, por isso, têm seu preço definido pelo mercado mundial. Essas mercadorias são as famosas commodities e, basicamente, são produtos dos setores alimentícios, metais e combustíveis fósseis. Para o mundo todo, 2021 foi um ano de recuperação das perdas econômicas vividas em 2020. O mundo cresceu 6%, o conjunto das economias mais ricas cresceu 5,2%, o das emergentes cresceu 6,6% e o Brasil, apenas 4,6%.

Para piorar nossa situação, em 2021 o centro-sul brasileiro passou pela pior seca em 91 anos. Com isso, alguns produtos da agropecuária ficaram ainda mais caros. Por outro lado, como a matriz energética brasileira é majoritariamente hidroelétrica, faltou água para produzir energia. Com isso, inúmeras termoelétricas, que são mais caras e mais poluentes, foram ligadas. O resultado veio na conta de energia, que subiu.

Resumidamente, a política de juros do BC em 2021 estava errada. Tudo bem que a inflação medida pelo IPCA naquele ano foi de 10,1% e várias categorias de produtos tiveram seus preços elevados, mas a política de aumento de juros foi intensa demais. E o descalabro está aqui: subir os juros é “indicado” no combate à inflação quando esta é causada por excesso generalizado de demanda sobre a oferta. Este, nem de longe, era o caso brasileiro. A nossa inflação era, majoritariamente, de “custos”.

Mas, com o passar de 2022, será que a política monetária se tornou certa?

Quase um ano depois do começo da elevação dos juros, no final de fevereiro de 2022, começou um conflito que dura até hoje: a Guerra da Ucrânia. Com isto, devido à participação da Rússia e da Ucrânia no mercado de petróleo e derivados, houve uma escalada ainda maior nos preços dos combustíveis. Foi nesse período que a gasolina chegou a R$ 7,50 em alguns lugares do Brasil. Claro, a inflação deu uma acelerada, mas logo foi controlada. Não pelos juros. Na verdade, tanto os preços internacionais cederam, quanto o desespero do finado Bolsonaro o fez intervir no ICMS sobre os combustíveis, energia e outros bens. No fim do ano de 2022, o IPCA fechou em 5,78%. Os grandes “vilões” foram Alimentos e Bebidas (contribuição de 2,47%) e Saúde e cuidados pessoais (1,42%).

Se o IPCA cedeu e se concentrou em alguns tipos de produtos, o que teria motivado o BC a elevar a Selic para 13,75% em agosto de 2022? A justificativa certamente não está na atividade econômica. Segundo o IBGE, a economia nacional cresceu só 2,9% em 2022. Há quem diga que a manutenção da atual política monetária é para “dar sinais ao mercado” de que o BC é forte. Obviamente, isto não é justificativa “técnica”.

Em suma, o que temos chamado a atenção não é meramente um “erro” de política econômica, mas uma deliberada tentativa de tutela de um governo que propõe outras políticas que vão de encontro aos interesses dos que são representados pelo BC (que é, sim, um lócus de disputa econômica e, portanto, política). Retomando ao primeiro dos três textos que aqui encerro, pergunto novamente: quem deve pautar a economia brasileira, o BC, que representa o sistema financeiro, ou Lula, que representa mais de 60 milhões de votos?


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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