quarta-feira, 30 de agosto de 2023

A decadência do império

Semana 21 a 27 de agosto de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Temos analisado os movimentos da economia brasileira sempre à luz da teoria dos ciclos econômicos. Temos falado nas dificuldades que atualmente existem para tal análise, em virtude da ação de fatores não econômicos que têm alterado a ação das leis que regem a economia, como a guerra na Ucrânia e a pandemia do covid-19. Antes de começar a ação do vírus, o ciclo econômico estava entrando em sua fase de crise. A pandemia acelerou este movimento e levou a economia em direção ao fundo do poço. Seguiram-se, então, os fenômenos conhecidos de desorganização do comércio mundial, das cadeias de valor, dos transportes marítimos e terrestres com sérias consequências para a produção e fornecimento de matérias primas, componentes etc.

Mal começava o controle da pandemia e estoura a guerra na Ucrânia provocando a necessidade de nova reestruturação das redes mundiais e uma reorientação do processo de globalização. Atualmente, embora se tenha conseguido um certo controle da pandemia, a guerra continua provocando um grande esgotamento das forças em choque, exceto dos setores produtores de armamento, ou seja, do complexo industrial militar, que está nadando em ouro. Somente o desespero e a demência dos setores mais reacionários e belicistas da burguesia americana e europeia podem justificar tamanha insanidade que é contra os interesses do capitalismo em sua totalidade.

Toda a pregação pseudo liberal de livre empresa, de Estado mínimo e de desregulamentação do mercado foi por terra, diante das intervenções de todos os Estados e mesmo de organizações internacionais como a OTAN, organização militar sob o controle dos EUA. Os americanos ditam as ordens e, através da OTAN e da União Europeia (UE), impõem sua vontade às nações mais desenvolvidas, com a intenção de bloquear a Rússia e exaurir sua economia. Por conta disso, eles têm violado todos os princípios das relações entre capitalistas com os bloqueios comerciais e financeiros às empresas russas e aos recursos do país depositados nos bancos internacionais.

O resultado tem sido desastroso. Os russos reagiram pagando na mesma moeda. Abriram suas relações para o resto do mundo, aproximando-se da China, Índia, Oriente Médio, África etc. encontrando aí consumidores para seus produtos. As relações sul-sul se intensificaram e a suspeita contra os bancos americanos, europeus e internacionais aumentaram. O movimento de fuga ao dólar americano, como moeda de referência, que, desde o início dos anos 2000, já se vinha intensificando, fortaleceu-se.

As restrições impostas pelos EUA prejudicam os interesses das próprias empresas do país e, particularmente, das empresas europeias, obrigadas a pagar mais caro pelos combustíveis e energia. A proibição da venda de chips para a China, por exemplo, provocou, em julho, o protesto da Associação da Indústria de Semicondutores, com sede nos EUA, afirmando que estas medidas “...correm o risco de diminuir a competitividade da indústria de semicondutores dos Estados Unidos, ... causando incerteza significativa no mercado e provocando retaliação crescente e contínua por parte da China, ...”. A estupidez das tais medidas torna-se evidente, pois quase um terço da venda de semicondutores no mundo saiu da China. Diante dos protestos, os americanos suspenderam a proibição para Taiwan e Coreia do Sul.

Outra consequência das ações ocidentais ocorreu na recente reunião dos BRICS, realizada na África do Sul. Além do seu fortalecimento o grupo foi ampliado com a admissão de mais seis novos membros: Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia. E existe uma fila de quase 40 outros desejosos de entrar no grupo. Outra prova evidente da ampliação das relações sul-sul é o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (banco dos BRICS), que se apresenta como alternativa ao FMI e Banco Mundial. Além disso, a perda da confiança no dólar tem levado à busca de alternativas para a criação de outra moeda de referência para as relações comerciais internacionais. A decadência do império continua.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha, Raquel Lima e Valentine Moura.

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sexta-feira, 25 de agosto de 2023

PIB e PAC: novidades não tão novas

Semana de 14 a 20 de agosto de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Na semana que passou, duas notícias econômicas se destacaram. A primeira, mais badalada, foi o anúncio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que busca dar o passo inicial para o reaquecimento da economia brasileira. A outra notícia foi a indicação de que o PIB brasileiro não se comportou tão mal quanto o esperado entre abril e junho desse ano. Nos dois casos, temos novidades, mas nem tanto.

No caso do novo PAC, um programa que teve sua primeira versão em 2007 e a segunda em 2011, os projetos anunciados são em áreas muito próximas das versões anteriores: iluminação pública, mobilidade, saneamento básico, eficiência energética etc. Isto mostra duas coisas: por um lado, o governo está batendo na mesma tecla dos grandes investimentos em infraestrutura, mas, por outro, isto só está acontecendo porque os governos que se sucederam até aqui não foram capazes de resolver esses problemas, pois focavam apenas em austeridade.

A expectativa é que sejam gastos R$ 1,7 trilhão de reais até o fim de 2026. Dentre os destaques estão os investimentos da Petrobrás, que devem somar R$ 323 bilhões. Desse montante, cerca de R$ 280 bilhões devem ser gastos na produção em regiões já exploradas. Outros R$ 40 bi devem ir para logística, refino e exploração de novos poços. Enquanto isso, os investimentos em descarbonização devem girar em torno de R$ 9 bilhões. Dentre os novos poços a serem explorados, estão os da Margem Equatorial, que reúne 5 bacias. Como tem sido noticiado nos últimos dias, uma delas (a bacia da Foz do Amazonas) é alvo de disputa entre os Ministérios de Minas e Energia (favorável à exploração) e do Meio Ambiente (contrário à exploração).

Como é apenas um anúncio e uma apresentação das intenções do governo quanto aos investimentos públicos, fica difícil saber com exatidão como a “neoindustrialização” proposta pelo Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio vai se encaixar no PAC. Como já vimos discutindo em análises anteriores, para reduzir o atraso brasileiro em relação às principais economias do mundo, é preciso trazer para dentro do território a criação e o desenvolvimento das forças produtivas mais avançadas: tanto aquelas ligadas ao paradigma da informação e comunicação, quanto aquelas ligadas às tecnologias “verdes”. A melhor forma do poder público fazer isto é induzir os investimentos (do PAC) para áreas que priorizem esses objetivos (da “neoindustrialização”).

No caso do PIB brasileiro, vem do Banco Central as indicações de que as coisas não estão indo tão mal quanto muitos esperavam. O IBC-Br, índice mensal que é uma “prévia” do PIB, havia apresentado uma queda de 2,1% entre abril e maio de 2023. Porém, o índice apresentou um crescimento de 0,6% entre maio e junho desse ano, percentual maior do que se acreditava. Com isso, as previsões de crescimento da economia brasileira para todo o ano de 2023 estão sendo revistas para cima.

Como já trouxemos em análises anteriores, era de se esperar que as previsões (pessimistas) do “mercado” sobre 2023 estivessem erradas. O motivo disso é o grande vazio de investimentos públicos deixado pelos governos anteriores. Não é de hoje que a ciência econômica mede os efeitos multiplicadores dos gastos governamentais. Para R$ 1,00 gasto pelo Estado, a depender do momento e do setor, o retorno social em termos de produção pode ser duas, três ou mesmo quatro vezes maior que isso. Porém, o efeito positivo trazido pela política econômica atual só não vai ser melhor porque outros componentes do PIB tendem a reprimir esses ganhos: a economia mundial está em crise (com destaque para a China, nosso maior parceiro comercial) e o setor privado (tanto pela crise, quanto pelo novo governo) ainda não tem confiança suficiente para investir.

É nesse contexto que o PAC se torna uma importante alavanca para o crescimento brasileiro, pois seria o ponto de partida, um estímulo inicial na geração de emprego e renda, gerando estímulos para o setor privado. Tendo em vista que a crise internacional tem data para acabar e que os investimentos em infraestrutura demoram para finalizar, há grandes chances de que a economia brasileira seja uma das primeiras a se recuperar. Porém, para isso ser efetivo, é preciso direcionar muito bem o destino desse dinheiro.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha e Raquel Lima.

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quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Market God?

Refering to the week of November 7th to 13h, 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

In religious syncretism, there are many combinations of theisms. Polytheists believe in the simultaneous existence of several different deities, each one with their own powers, characteristics, and peculiarities. For monotheists, there is only one deity that possesses all the supreme power. They all have in common the fact that the god(s) must be pleased and their teachings must be practiced; otherwise, someone will suffer (either from the deity’s bad mood or from punishment for sin).

Usually, rituals of connection between the divine and the secular happen in temples and are guided by individuals who possess a direct connection with the deity in question. Frequently, they are the representatives of the god(s) on the earthly plane, their personification. They are the priests. In turn, this connection is acquired from a complex structure of traditions, which forms the basis of a particular religion.

It is possible to trace a parallel between the economy and the belief in the existence of a supreme power, a parallel between capitalism and religion, despite being different things, and the former being more powerful than the latter. It is discussed the existence of a “Market God” that must not be opposed. However, the market is just the “temple,” a place where individuals manifest their desires for something that is beyond them. Like every temple, the voices that are heard the most are the priests’ voices, which embody the deity’s desires. In general, people do not need to know the existence of this supreme entity that dictates the way everyone should behave in society. In reality, many of us follow its laws and do not even acknowledge it.

This supreme being that guides us currently is capital. That’s why the current economic system is called capitalism. Its fundamental law is the attainment of profit. Without the private appropriation of surplus value from others, there is no capitalism that could function. This, in turn, means that the capitalists are the ones who personify capital, and they have attained such a position by their own merit (the exception) or by inheritance (the rule).

In this context, taking the risk of oversimplification, it is possible to affirm that capitalism would fit the religious monotheism. Nonetheless, capital is multiple, takes various forms, and therefore has priests of various orders. There are those who preach that capital will only have its desires met if the economy is opened to the world. There are those who appeal to the increase of interest rates and to state inflation as ways to please the supreme deity. Ultimately, whether industrialists, merchants, bankers, financiers, or speculators, capitalists find a way to execute their function.

What happened last week, after Lula’s speech about the necessity of including the poor in the budget, was nothing more than the capital sending signals. As the entire population of Brazil does not fit into the public budget, the capital has warned that it doesn’t want to give up its share. That’s why its priests rushed to deliver the message to lay people, demonstrating that the elected government and the population must not challenge it.

However, it seems like the movement that happened last week was not well-received by public opinion. This can be seen in what has been the biggest tool of communication in Brazil nowadays. There was no lack of memes to express the popular dissatisfaction with its movement being done in the “market,” although some serious analysts also publicly expressed their dissatisfaction.

The worst part, however, is that there is not much to do about it. As we saw in the 2022 campaign, the alliance to end the best representative of the devil in Brazil’s history was very wide. Of course, this support would not come for free because capital resembles the old Christian God from the Old Testament. The transition team is already filled with people who will guarantee capitalist peace, from the economic field to education.

And there is no point in praying; there are no miracles in the economy. Only our daily struggle can save us.


[i] University professor at DRI/UFPB and at PPGRI/UEPB; PROGEB Coordinator. (@progebufpbwww.progeb.blogspot.comlucasmilanez@hotmail.com). The researchers contributed: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, and Nertan Gonçalves. Posted on https://progeb.blogspot.com/2022/11/o-deus-mercado.html. Translated by Thomaz Cisneros and Valentine de Moura.

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sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Uma “neoindustrialização” necessária

Semana 07 a 13 de agosto de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Na análise da semana passada o Prof. Lucas Milanez fez considerações sobre o processo de industrialização do Brasil e a construção de um parque industrial bastante complexo, até o início dos anos 80. A partir desta data começou uma mudança de rumo na direção oposta e começamos a sofrer um processo de desindustrialização. Assistimos agora à continuação deste processo e o retorno do país a condição de exportador de matérias-primas minerais e produtos agropecuários. Até nos orgulhamos da condição de celeiro do mundo. Paradoxalmente, enquanto nosso povo morre de fome alimentamos os famintos do planeta.

Isto traz graves consequência para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e apara o emprego. Sofremos com a desaceleração do crescimento e da produção industrial, o que pode ser verificado pelas estatísticas divulgadas pelo IBGE. A situação não é pior por causa do crescimento do agronegócio e das exportações das chamadas commodities. O processo de desindustrialização tem como maior consequência a perda da indústria de máquinas e equipamentos, os chamados meios de produção. É este o setor industrial responsável pela arrancada da economia quando se inicia a entrada do ciclo na fase de reanimação. Quando a fase de crise é ultrapassada, as empresas, diante do aumento da demanda, e não tendo mais condições para ampliar a produção por ter utilizado toda sua capacidade ociosa, tomam as decisões de fazer novos investimentos que se materializam na compra de máquinas e equipamentos. Esta demanda por equipamentos põe em movimento este outro setor que começa a contratar novos trabalhadores e, por isto, aumenta a demanda por meios de consumo, o que se reflete sobre o setor de bens de consumo. Aí está a razão da retomada da economia e entrada na fase de reanimação do ciclo.

Como não temos mais o setor produtor de meios de produção toda esta demanda por máquinas transfere-se para o exterior. O estímulo que deveria ser interno é deslocado para fora e vai beneficiar as economias de outros países.

Aí está a razão para que a nossa economia tenha atualmente retomadas lentas e não mais atinja as taxas elevadas que conseguimos no passado. Passamos a depender da importação de máquinas e equipamentos importados principalmente da China, Rússia, EUA e Alemanha, países que se beneficiam dos impulsos da nossa recuperação.

A única maneira de alterarmos este movimento é adotando uma política industrial correta, hoje chamada de neoindustrialização, que possa beneficiar os setores que mais são necessários e são responsáveis pelo dinamismo da economia. Claro que estes setores são os de mais alta tecnologia. Daí a necessidade de investimentos também nos programas de formação científica e pesquisa que permitam a retenção dos cérebros que são aqui formados e atualmente são obrigados a emigrar para o exterior em busca de melhores condições de trabalho.

Um bom exemplo dos efeitos de política deste tipo pode ser obtido na chamada “bidenomics” agora adotada pelo governo Biden nos EUA. Por razões de geoestratégia o governo americano está estimulando o retorno ao país de empresas que se deslocaram ao exterior em busca de melhores condições para a produção. Estão sendo feitos pesados investimentos em infraestrutura, na economia verde e na produção de semicondutores. Os gastos ultrapassam mais de US$ 1 trilhão. O resultado é que os analistas esperam que a economia sofra apenas uma desaceleração lenta que está sendo chamada de “pouso suave”. Graças aos subsídios que estão sendo oferecidos a construção de fábricas dobrou no último ano aumentando o emprego.

Como contrapartida é sentido um aumento da inflação, que o Fed tenta frear, e um aumento do déficit fiscal que somou US$1,4 trilhão, o triplo do mesmo período do ano anterior. Ao que parece isto não causa preocupação às autoridades do país.

Será que o que é bom para os EUA não é bom para o Brasil?


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha e Raquel Lima.

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quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Por que a indústria vai tão mal? E pode piorar

Semana de 31 de julho a 06 de agosto de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Em meio ao noticiário da semana passada, um assunto importante não teve a devida repercussão: a indústria brasileira apresentou um decrescimento de 0,3% no primeiro semestre de 2023, comparando-se com o primeiro semestre de 2022. No acumulado dos últimos 12 meses, a indústria teve um crescimento pífio de 0,1%. Numa leitura mais superficial, poderíamos achar que isto é apenas uma questão de momento. Porém, o buraco é bem mais embaixo.

Ao longo do século passado, a economia brasileira passou por um intenso processo de transformação estrutural, onde a manufatura se transformou no carro-chefe do desenvolvimento brasileiro. Em termos mais simples, o Brasil passou por um grande processo de industrialização. Isto pode ser visto através da criação de importantes polos industriais, que reuniam inúmeras fábricas e empregavam dezenas de milhares de operários.

Porém, dado o atraso relativo no desenvolvimento brasileiro à época, quem liderou grande parte desse processo foram as empresas multinacionais. Junto a elas, o Estado também foi um grande protagonista, mas atuou de forma complementar às necessidades que iam surgindo aos poucos. Por exemplo, abriu rodovias, criou linhas de transmissão de energia e fundou novas estatais. Por sua vez, o empresariado brasileiro atuou como coadjuvante (quase figurante).

A partir desse contexto, nossa industrialização teve pouca conexão com grande parte da nossa sociedade e seus anseios. As fábricas eram abertas para satisfazer as necessidades dos mais ricos, aqueles que realmente podiam pagar. Já os manufaturados eram mera reprodução (às vezes pioradas) daquilo que se fazia nos países avançados. A tecnologia já vinha pronta, as máquinas eram instaladas e os trabalhadores treinados para operá-las. Quase nada de pesquisa, desenvolvimento e inovação eram realizados no Brasil.

A partir dos anos 1980, quando a indústria mundial passou a se basear em um novo paradigma tecnológico e organizacional, o nosso atraso no desenvolvimento cobrou seu preço. As forças produtivas passaram a operar com base nas tecnologias da informação e comunicação. Por sua vez, a produção passou a ocorrer de forma fragmentada e descentralizada, baseada nas cadeias globais de valor. O Brasil não tinha empresas liderando essas inovações. Quando chegaram por aqui, a partir da reestruturação produtiva iniciada nos anos 1990, elas novamente vieram de fora, seguindo a mesma lógica de antes: reprodução do padrão imposto pelas empresas multinacionais.

Contudo, uma das diferenças fundamentais é que esses novos paradigmas trouxeram um resultado oposto ao que foi visto no auge da nossa industrialização. Tais mudanças resultaram nos processos de desindustrialização e de reprimarização da nossa economia. Por um lado, a indústria perdeu espaço em seu papel de dinamizador da economia interna, sobretudo na geração de emprego e renda. Por outro, os setores exportadores de produtos primários (agrícolas, pecuários e extrativos) ganharam mais importância, pois são os únicos setores que (desde sempre) têm capacidade de competir internacionalmente.

Na última década isto piorou. Por exemplo, na indústria de bens de consumo não duráveis, o maior índice de produção registrado nos últimos 20 anos foi em junho de 2013 (hoje a produção está 14,8% abaixo desse máximo); para os bens de consumo duráveis, o máximo ocorreu em março de 2011 (hoje, 38,4% abaixo); para os bens intermediários, o maior índice registrado foi em maio de 2011 (hoje, 15,5% abaixo); e para os bens de capital, o índice máximo foi em abril de 2013 (hoje, 33,2% abaixo).

O PIB brasileiro foi muito bem no primeiro trimestre de 2023, mas a atividade desacelerou no segundo. Se tivéssemos uma indústria mais pujante, certamente esse crescimento seria mais robusto, pois a indústria sempre pagou melhores salários e ela tem um grande poder de estimular todos os setores da economia. Por isso, é uma necessidade ao Brasil adotar novamente um conjunto articulado de políticas públicas que busquem o desenvolvimento industrial, sobretudo se isto for na direção dos novos paradigmas tecnológicos. Esperamos que a “neoindustrialização” desenhe esse caminho.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha e Raquel Lima.


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sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Tendência para a estagnação dentro e fora do país

 Semana 24 a 30 de julho de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Câmara continua moendo a reforma tributária enquanto alguns partidos do centrão negociam com o governo mudanças nos ministérios. É preciso abrir espaço para alguns que representam mais apoio efetivo. O nosso sistema presidencialista é uma aberração. Melhor seria se adotássemos o parlamentarismo. A negociação entre os partidos existe e é obrigatória, mas, ao assumir um ministério, o partido fica comprometido com o governo e deve defendê-lo, ou sai. Se o seu ministro faz besteira o partido é responsabilizado. No nosso sistema torto tudo cai nas costas do presidente e os partidos lavam as mãos como se nada tivessem a ver. Ficam os bonos, mas os honos são do Lula. Enquanto rolam os entendimentos o Banco Central (BC) prepara a reunião do Copom para discutir a nova taxa de juros Selic. E desta, participarão os dois novos diretores indicados pelo presidente Lula. Embora seja assunto a ser tratado na Análise da próxima semana, ao escrevermos esta, já saiu o resultado da reunião: a Selic baixou 0,5% ficando agora em 13,25%, ainda a maior taxa de juros reais do mundo. A decisão foi apertada, 5x4 tendo o Campos Neto votado pela queda. A alternativa era de uma queda de 0,25% Foi um alívio geral e provocou notas de apoio de várias Federações empresariais.

Embora a queda seja pequena sem dúvida será um estímulo para a recuperação que terá o apoio da safra recorde que está sendo anunciada na agricultura. Houve na semana outro fato positivo para animar os analistas. A agência de classificação de riscos Fitch elevou o “rating soberano“ do Brasil de “BB-“para “BB*” Ficamos agora a dois graus para atingirmos o tão desejado “grau de investimento” saindo da área de “grau de especulação” onde estamos atualmente. Para os capitais estrangeiros isto é muito importante pois mostra a confiabilidade do país no pagamento de seus compromissos e dívidas. A confiabilidade permite o lançamento de títulos da dívida pública negociados a juros mais baixos.

O somatório destes fatos contribuiu para o Fundo Monetário Internacional (FMI) alterar suas estimativas para o crescimento do PIB do Brasil. Em seu relatório Panorama Econômico Mundial (WEO) o FMI elevou sua estimativa de 0,9% para 2,1%.

Apesar destes dados positivos a maioria dos analistas e agências de consultoria espera uma desaceleração da economia para o segundo trimestre. Isto condiz com nossas análises pois a reação da economia a estímulos é lenta e o aumento da demanda ainda não foi suficiente para influir na atitude dos empresários.

Além disso, estamos integrados no ciclo mundial e este ciclo continua em sua fase de crise agravada pelas complicações da guerra Rússia Ucrânia e com a saída da Rússia do acordo que permitia a exportação de grãos pelos portos do mar Negro. Com a declaração de que os navios que por aí navegam passam a ser considerados alvos de guerra, as exportações serão suspensas. A atitude russa é justificada pelos ataques que estão sendo conduzidos contra seu território e as áreas ocupadas. As novas armas fornecidas pelos países aliados dos EUA têm permitido estas ações.

Outro fato negativo tem sido a elevação das taxas de juros nos países da UE e nos EUA. Na tentativa de combater a inflação que ameaça suas economias e com base nas mesmas cartilhas usadas por cá, os Bancos Centrais vem tomando esta atitude. O Federal Reserve (Fed), banco central americano, subiu sua taxa de referência de 5,25% para 5,5%, o mais elevado nível em 22 anos o que terá repercussões para sua economia.

Na zona do euro, onde a inflação atingiu quase o triplo da meta do Banco Central Europeu (BCE), assiste-se a um aperto monetário sem precedentes que já leva a uma crise de crédito que ameaça atirar a economia em mais uma recessão depois dos dois trimestres consecutivos de estagnação. Os dados preliminares já apontam para uma forte desaceleração nas encomendas e nas contratações das empresas de toda a zona. A situação tende ao agravamento.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Thomaz Cisneros, Gustavo Figueiredo, Lucas Santos, e Valentine de Moura.

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