quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Os dois Brasis: a economia está saindo do buraco

Semana de 05 a 11 de setembro de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Na Análise da semana passada o Prof. Lucas Milanez apresentou os dados do IBGE que mostram que “a economia está saindo do buraco.” Claro que isto foi motivo para o foguetório do governo. Não negando este fato, cabe-nos o papel de trazer algumas explicações. As estatísticas às vezes enganam quando tratadas ideologicamente. Não restam dúvidas que os números mostram uma certa recuperação. Aí estão os dados do crescimento da indústria, dos serviços, do emprego. Foi mal para o consumo do governo e para as exportações.

Para nós os números não surpreenderam. Há algumas semanas chamamos a atenção para o programa de bondades do governo e seu caráter eleitoreiro. O governo que, durante 3 anos nada fez para melhorar a situação do país, de repente, tornou-se bonzinho a ponto de tentar se apropriar dos R$600 do bolsa família que ele combateu e tentou impedir. Lembramos que o sinistro da economia Paulo Guedes, a muito custo, depois de propor a suspensão do contrato de trabalho sem qualquer remuneração, sugeriu um auxílio de R$200. Foi derrotado pelo Congresso.

Já mostramos que a política econômica pode ter grande interferência nos movimentos da economia e o nosso caso é um ótimo exemplo. O presidente, desesperado com os resultados das pesquisas eleitorais, e acossado pelas pressões internacionais que repudiam o golpe de Estado que ele tanto acalenta, deixou cair as propostas neoliberais de austeridade fiscal e abriu os cofres para comprar os eleitores. Que se dane o orçamento e o déficit fiscal. Serão problemas para depois de janeiro, a serem resolvidos pelo próximo governo.  O resultado é o derrame de bilhões de reais na economia o que, sem dúvida, provocou um aumento do consumo, da produção, do emprego, das atividades de modo geral.

É o que estamos assistindo. Mas, como diz o ditado português, “cá se fazem, cá se pagam”. Saudamos a queda no desemprego, mas com novos empregos de baixos salário, precários e informais. A informalidade bate novos recordes e atualmente há 39 milhões e duzentos e noventa e quatro mil trabalhadores informais na população ocupada, sobretudo nos serviços, cerca de 40% desta população. Por outro lado, a resposta da produção, a um aumento do consumo repentino, não é imediata. Como consequência temos um repique da inflação que atinge diferentemente as diversas classes de renda. Para os 10% mais pobres, que ganham entre 1 e 1,5 salários-mínimos, a inflação, em 12 meses até julho, foi de 7,8%, mas, a de alimentos, atingiu 16,19%. No entanto, para os 10% mais ricos, que ganham entre 11,6 e 33 salários-mínimos, a inflação caiu 1,05% e a de alimentos cresceu apenas 1,2%. Embora o “mercado” estime a continuação da queda da inflação, o próprio Banco Central (BC), através de seu presidente, admite que ela vai retornar com força e que o banco vai continuar a subir os juros de referência (a taxa Selic). O próprio presidente teme o fenômeno conhecido como “boca de jacaré” quando as linhas do gráfico que representam os crescimentos da inflação e da economia se afastam. (Ele tem vergonha de chamar isto pelo nome: “estagflação”). Esta elevação da Selic já vem tendo consequências na inadimplência que foi acrescida de 4,6 milhões de pessoas. O total hoje já atinge 66,8 milhões de consumidores. De acordo com a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 78% das famílias estão endividadas.

O sufoco da campanha política e as promessas descabidas nela feitas são de tal ordem que poucos prestam atenção nos absurdos que foram enviados ao congresso na Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

A partir de dezembro, todas as bondades vão desaparecer e restarão um orçamento inexequível e estourado e uma população desempregada, com baixos salários, inadimplente e faminta. Eis o resultado da economia saindo do buraco do sinistro Guedes e o que restará do outro Brasil para ser administrado pelo vencedor das eleições.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Alves.

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sábado, 10 de setembro de 2022

Você vê o crescimento do PIB na sua cidade?

Semana de 29 de agosto a 04 de setembro de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Caro leitor, em meio às notícias do aumento da fome no Brasil, saíram os dados sobre o PIB brasileiro no segundo trimestre de 2022. No agregado, o resultado é bom (para o padrão brasileiro recente): na comparação com os três primeiros meses de 2022, o PIB dos meses de abril a junho cresceu 1,2%; na comparação os mesmos meses de 2021, o crescimento foi de 3,2%. Com o resultado já consolidado de todo o primeiro semestre de 2022, se a economia brasileira não crescer mais nada até o fim do ano, mesmo assim crescerá 2,6% sobre o ano passado.

Como tem acontecido desde meados de 2021, os Serviços contribuíram de forma significativa com o crescimento registrado (vale lembrar que essa atividade corresponde à cerca de 70% do PIB brasileiro). Na comparação com o primeiro trimestre de 2022, o PIB dos Serviços subiu 1,3%, no segundo trimestre do ano. Já a Agropecuária cresceu apenas 0,5% no mesmo período. Nesse caso, depois de ter decepcionado em 2021, o crescimento de agora não foi suficiente para retornar aos patamares da produção de 2020.

A atividade industrial, por sua vez, apresentou resultado surpreendente: no agregado, cresceu 2,2% entre o 1º e o 2º trimestre de 2022. Os setores de Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos cresceram 3,1%, seguido de Construção civil, com 2,7%, e Indústria extrativa, com 2,2%. Apesar de ter apresentado percentual menor, a Indústria de transformação também cresceu (1,7%). Este último dado é um ponto preocupante, pois este é o setor que reúne a maior parte das atividades de maior intensidade tecnológica, bem como a que aplica maiores valores em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, a Indústria de transformação é a que tem maior força para puxar outros setores junto ao seu próprio crescimento (o chamado efeito multiplicador da produção). O ideal é que esta fosse a atividade locomotiva da economia nacional, pois representaria um crescimento mais sólido do país.

Pela ótica do consumo, dois foram os principais contribuintes para o crescimento do PIB entre o 1º e o 2º trimestre de 2022: Investimentos, que cresceram 4,8%; e Consumo das famílias, com subida de 2,6%. Por sua vez, como dados negativos, o Consumo do Governo caiu 0,9% e as Exportações se reduziram em 2,5%. O motivo da piora nas vendas externas, em termos macroeconômicos, vêm de dois fatores principais: a Agropecuária reduziu a quantidade exportada em todos os meses de abril a junho; e a taxa de câmbio caiu de uma média de R$ 5,20, no primeiro trimestre, para R$ 4,95 no segundo, o que reduziu a rentabilidade das exportações, em reais (elas são computadas em dólares).

Pois bem, em que isso altera a vida da maioria da população? De fato, as recentes reduções no desemprego, registradas pelo IBGE, mostram que a economia está saindo do buraco. O problema são os fatores que estão dando este impulso e quais efeitos o crescimento está gerando sobre a economia como um todo.

Por um lado, em busca de melhorar sua posição na disputa eleitoral, o Governo Federal liberou geral um conjunto de estímulos temporários, que vão de crédito e liberação do FGTS à antecipação do 13ª salário e aumento do (novo) Bolsa Família.

Por outro lado, pelo grau de informalidade da força de trabalho no Brasil, que está em torno de 40%, vê-se que a renda do emprego não é das melhores. O emprego informal sempre é instável e vulnerável a pequenos movimentos da economia (tendendo a crescer). Além disso, o setor de serviços, em especial os que estavam “reprimidos” pelo isolamento social, continua sendo o carro chefe do crescimento atual (os serviços também são os que mais empregam informais). Essas atividades, de uma forma geral, não são as que pagam os melhores salários, nem são as mais produtivas.

O que estamos vendo, na verdade, são dois Brasis: um que cresce aos trancos e barrancos, mas garante o saldo final positivo ao crescimento; o outro é aquele que está na nossa cara todo dia, das pessoas em condição de vulnerabilidade e dos trabalhadores precarizados.


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Gonçalves.

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quinta-feira, 1 de setembro de 2022

A política age, a economia reage

Semana de 22 a 28 de agosto de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Na nossa concepção, é a economia a força determinante do movimento da sociedade. É dela que parte a energia que move todas as outras esferas que compõem o todo social. Agora assistimos a um fenômeno que aparentemente contradiz nossa base teórica e do qual se aproveitam as autoridades do governo. Na campanha política vale tudo e com um dirigente sem nenhuma moral, dignidade ou escrúpulo como temos hoje, a situação só não tende para o cômico porque é antes de tudo trágica. O país está sendo levado por incompetência e fanatismo ideológico a um buraco que precisará de muitos anos de sensatez e ciência para recuperar os estragos que estão sendo irresponsavelmente provocados.

E o governo desesperado para reverter a rejeição que as pesquisas de opinião mostram, não mede esforços para acelerar o desastre, usando para isto todo tipo de mentiras e falsificação, apropriando-se mesmo de obras e realizações de outros para as quais em nada contribuiu. Ao contrário, com sua ação incompetente envidou todos os esforços para impedir e mesmo destruir o que estava em execução. Veja-se o caso das ações contra a covid-19 e a aprovação do auxílio emergencial de R$600 contra o qual lutou o sinistro da Economia Paulo Guedes e só foi aprovado após renhida luta da oposição no Congresso.

No desespero, diante da derrota eleitoral iminente, Bolsonaro agora tenta todo tipo de ações para remediar os males que ajudou a deflagrar na economia, como a fome, a inflação, o desemprego, os baixos salários, a queda nos investimentos, o déficit fiscal, a crise etc.

Temos assim um bom exemplo da relação Estado-Economia que mostra a negação de toda a pregação neoliberal feita pelo sinistro Guedes e sua equipe. No desespero, vale tudo e o liberalismo é enterrado sem nenhuma explicação ou vergonha. Assistimos o uso do Estado em função dos interesses políticos mais escusos: ganhar uma eleição por um grupo que pretende eternizar-se no poder e cujos interesses nada tem a ver com os do povo e se apoia em uma pregação anticientífica, fanática e clerical e uma ação incompetente, desonesta e corrupta. Compra-se tudo sem nenhum pudor desde que o grupo dominante representado por oficiais dos altos escalões das forças armadas, a família do presidente e seus amigos possam continuar no poder. Nesta ação desesperada, os recursos derramados, o orçamento secreto, o Auxílio Emergencial, os subsídios a caminhoneiros e taxistas, o vale gás etc. além de outras medidas como a antecipação do 13º salário a pensionistas e aposentados, a liberação do FGTS, a flexibilização das medidas sanitárias que permitiram a retomada das atividades presenciais, trazem consequências para a economia. Os resultados, apesar de medíocres, são visíveis nas estatísticas. A queda do desemprego é um exemplo, apesar dos postos de trabalho criados serem de baixos salários e a informalidade seja crescente.

A atividade industrial, no entanto, ainda mostra, no primeiro semestre, um recuo de -2,2%. A indústria de bens de consumo duráveis, por exemplo, recuou -11,7%. O setor de serviços, porém, deu uma grande contribuição para a melhora do quadro e foi responsável pelo crescimento de 0,57% no segundo trimestre, apontado pelo Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC Br). Em 12 meses, este índice mostrou um crescimento de 2,18%. O monitor do PIB do Ibre FGV apontou um crescimento de 1,1% no segundo trimestre.

No entanto, a conta da farra vai estourar em 2023. A irresponsabilidade cobrará seu preço. A política age, a economia reage. Nada se faz impunemente. Segundo a FGV Ibre o preço das bondades significará um rombo de R$439 bilhões ou seja 4,3% do PIB do país. Isto para pagar o furo do teto, a perda de arrecadação, os custos financeiros e outros riscos. Segundo o Boletim Macro, só o Auxílio Emergencial de R$ 600, o reajuste do funcionalismo e a revisão de despesas discricionárias custarão mais de R$ 120 bilhões ou seja 1,2% do PIB. Para piorar, a FGV afirma que o alto nível de incerteza desacelera a economia do país e a economia mundial também se encontra em desaceleração.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Alves.

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quinta-feira, 25 de agosto de 2022

A fome e a nossa elite, têm jeito?

Semana de 15 a 21 de agosto de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Em outubro do ano passado, publicamos uma análise de conjuntura intitulada “O capitalismo e a fome” (https://progeb.blogspot.com/2021/10/o-capitalismo-e-fome.html). Nela, o leitor pode ver argumentos que mostram como a fome é um elemento que está na base do capitalismo. É o medo de passar fome que obriga uma pessoa a submeter seu trabalho a outras, tais como, Luciano Hang, popularmente conhecido como “véi da Havan”, e Marco Aurélio Raymundo, o “famoso” Morango da Mormaii.

No texto de hoje, vale a pena focar nos sintomas que atualmente influenciam, não só a fome no Brasil, mas a insegurança alimentar em geral.

O primeiro é um “velho” e indesejado conhecido, a inflação. Mesmo com a queda no índice de inflação entre junho e julho passados (queda de 0,68% no IPCA), o total da cesta de alimentos que são consumidos em casa (cereais, legumes, farinhas, frutas, verduras, carnes etc.) teve aumento de preço (1,47%). Este movimento se confirma com a divulgação do IPCA-15 (que é uma prévia do IPCA) pelo IBGE. O indicador registrou uma redução geral de 0,73% nos preços consultados entre os dias 16 de julho e 15 de agosto. Porém, no item Alimentação no domicílio, a subida de preços foi de 1,24%. Pelo IPCA-15, os alimentos consumidos em casa ficaram 17,4% mais caros em 12 meses.

O segundo fator que influencia o bolso e a barriga dos brasileiros são as negociações salariais. De acordo com o DIEESE, 47,3% dos reajustes salariais celebrados no mês passado foram menores do que a inflação (medida pelo INPC). De janeiro a julho de 2022, apenas 20,7% das negociações foram capazes de trazer ganhos reais para os trabalhadores (nesses casos, o salário aumentou mais que a inflação). No mesmo período, em 43,9% das negociações o aumento salarial foi menor do que o aumento dos preços. Como agravante, já que o setor é o maior em termos de emprego e PIB, os trabalhadores do setor de Serviços tiveram perdas reais de salário em 52,6% das negociações.

O terceiro fator que gera insegurança alimentar na população é a informalidade. Como mostrou a última PNAD Contínua, há 34,7 milhões de pessoas na informalidade. Isto significa que elas não estão resguardadas por qualquer direito trabalhista, tais como férias, seguro-desemprego, FGTS, previdência, 13º salário e outros mais. Isso corresponde a 40% dos trabalhadores brasileiros. Para além destes, tem os microempreendedores individuais, que são pessoas com CNPJ, mas que na maioria das vezes tem renda próxima de um ou dois salários-mínimos, não emprega ninguém além dele próprio e não goza de direitos trabalhistas.

Por fim, mas não menos importante, estão os beneficiários dos programas assistenciais, em especial os do Auxílio Brasil. São pessoas que estão em situação de pobreza ou extrema pobreza e que têm de se virar com um recurso que, por enquanto, é de R$ 600. Nas capitais analisadas pela Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos do DIEESE, apenas em Aracaju (R$ 542,50), João Pessoa (R$ 572,63), Salvador (R$ 586,54) e Natal (R$ 587,58) este valor é suficiente para comprar a cesta básica de alimentos. Mesmo assim, não devemos esquecer que esse dinheiro também serve para pagar aluguel, água, energia, transporte, medicamentos, vestuário etc.  Por sua vez, em outras 13 capitais pesquisadas, a cesta básica de alimentos custa mais do que o benefício (sendo a mais cara em São Paulo, que sai por R$ 760,45).

Voltando à análise que citei no início do texto. Lá meu argumento foi de que o medo da fome (não só de alimentos, mas de não consumir tudo o mais que precisamos para viver) impele os trabalhadores a venderem sua força de trabalho. Isto faz parte do capitalismo em qualquer lugar do planeta. Mas, no Brasil a coisa é pior. Por aqui, para além dessa característica comum aos demais países, a atividade econômica não é capaz de gerar oportunidades para uma sobrevivência digna de seus trabalhadores.

Para completar, parte da elite econômica fica aí, tentando armar golpe em grupo de zap. Será que o projeto deles é melhorar a vida do trabalhador?


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Gonçalves.

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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

A mobilização geral contra o golpe

Semana de 08 a 14 de agosto de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Foi de grande simbolismo a manifestação realizada no largo de São Francisco, em São Paulo, onde fica a Faculdade de Direito da USP, para a leitura das duas cartas em defesa da democracia, preparadas pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e pelos professores e estudantes da própria Faculdade. A “Carta aos Brasileiros e Brasileiras pelo Estado Democrático de Direito” organizada pela Faculdade de Direito contou com mais de 956 mil assinaturas de professores, intelectuais, médicos, engenheiros, enfermeiros, motorista, policiais, delegados, dentistas, artistas, estudantes, Ongs etc. A “Carta em defesa da democracia e justiça” encabeçada pela Fiesp contou com a assinatura de organizações sindicais de trabalhadores e empresários e de federações como a Febraban, a Fiesp, a CUT, a Força Sindical, além das assinaturas de sindicalistas, empresários e banqueiros. Desde a campanha pelas “Diretas já” que não se via a união de forças tão diversas. Como afirmou o jurista José Carlos Dias que participou do movimento em 1977 “Capital e trabalho estão juntos em defesa da democracia”.

É lamentável e doloroso constatar até onde vai o retrocesso que estamos presenciando.  Tornou-se válido o lema “burgueses e proletários uni-vos”. Finalmente a sociedade vai acordando e se dando conta que a luta é de todas as forças vivas do progresso contra o fanatismo clerical, a anti ciência do terraplanismo, a grosseria dos preconceitos mais diversos, a ignorância, as formas de exploração mais primitivas e criminosas existentes em modos de produção anteriores ao capitalismo e que caracterizaram o processo de acumulação inicial do capital. O atraso que se pretende instalar pelo bolsonarismo é de tal ordem que começa a entravar o processo atual de acumulação capitalista. O salvador da classe empresarial, tão bem alimentado e protegido pelos capitalistas e militares reacionários para combater o avanço do “comunismo” e das limitadas conquistas do movimento operário, tornou-se um entrave e precisa ser descartado. Seu reacionarismo agora só interessa à classe dos proprietários de terra, grileiros, milicianos, traficantes, e os setores capitalistas mais atrasados, além de uma hierarquia militar golpista que se esquece que no passado já o havia excluído de seus quadros. Apesar de toda a pregação golpista que o governo vinha sistematicamente fazendo, só com a gota d’agua da reunião com os embaixadores, em que Bolsonaro atacou abertamente o processo eleitoral, a sociedade acordou. Foi demais.

A defesa da democracia tornou-se um grande movimento político que, se não for conduzido corretamente, pode ter um resultado desastroso com a reeleição da besta a ser banida e enjaulada.

Na verdade, o governo conta com alguns trunfos. A aprovação da PEC Kamikaze, ou das bondades, criou as condições para a compra de votos em larga escala. O Auxílio Emergencial de R$600, o auxílio caminhoneiro e taxista, o vale gás, representam transferência direta de dinheiro para os mais pobres. A redução dos impostos como o ICMS e fatores internacionais provocaram a queda dos preços dos combustíveis afetando o custo dos transportes. Isto representa o lançamento de bilhões na economia que servem como estímulos ao comércio e à produção. Um dos efeitos já sentido é uma pequena queda no desemprego embora com a criação de empregos de baixa qualidade e remuneração. As estimativas para o crescimento do PIB já foram alteradas para valores entre 1,5% e 2%. Ninguém fala, porém, nas consequências para o orçamento e a economia em 2023. Isto será depois das eleições.

Apesar desta traição do sinistro Guedes aos seus princípios de austeridade fiscal e liberalismo a situação não é das melhores. A inflação continua a corroer os salários pois em julho, cresceu 1,4% no setor de alimentos e 0,8% no de serviços. A produção industrial apresentou queda de 0,4%, em junho, espalhada em 10 dos 15 locais pesquisados.

A evolução da economia deve manter-se com um possível agravamento diante da situação internacional que tende a piorar e da campanha eleitoral que agora se inicia. Também não se espera boa coisa das movimentações bolsonarista. Aguardemos.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Alves.

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quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Auxílio Brasil, consignado e eleições: tragédia a prazo

Semana de 01 a 07 de agosto de 2022


Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Talvez inspirado no sucesso que tem feito o remake de “Pantanal”, o governo federal inventou sua própria versão de um programa já consagrado: o Auxílio Brasil. Com diferenças pontuais, esta é uma versão diferente do programa Bolsa Família (que já é um remake turbinado, tipo Vingadores, de outros programas de transferência de renda). Como valor base, será pago R$ 400 às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.

Por sua vez, como já foi extensamente noticiado, foi aprovada uma legislação (apelidada de PEC Kamikaze) que garantiu um valor adicional de R$ 200 para o programa. Com isso, será dado um valor mensal mínimo de R$ 600 para cerca de 20 milhões de famílias brasileiras até dezembro de 2022. Fazendo algumas contas por cima, o Auxílio Brasil vai distribuir mais de R$ 12 bilhões por mês entre agosto e dezembro. No total, serão transferidos mais de R$ 60 bilhões até o fim do ano de 2022.

Com isso, o governo dá o necessário auxílio a uma parte da população mais necessitada. Mas, em governo de Bolsonaro e Guedes, o que se dá com uma mão, o setor financeiro pega com a outra. No dia 04 de agosto foi publicada a Lei 14.431/22, que possibilita aos beneficiários do Auxílio Brasil realizarem empréstimos consignados (modalidade que retira o dinheiro direto na origem, sem nem passar na mão do devedor) em que as parcelas não ultrapassem 40% do valor base mensal (R$ 400). Isto significa que uma família poderá pedir um empréstimo em que a parcela do pagamento chegue até a R$ 160.

O resultado disso é que parte considerável do Auxílio será desviada para os bancos e outras instituições financeiras. Para piorar, o governo federal não estabeleceu um teto para os juros que serão cobrados. Cada banco cobrará o quanto quiser e o tomador terá que pechinchar. Porém, na correlação de forças entre bancos e beneficiários, não é difícil prever o vencedor da barganha sobre o tamanho dos juros.

A questão é que, para receber o Auxílio, uma família deve ter renda per capita (renda total dividida pelo número de familiares) entre zero e R$ 200. Ou seja, quem vai receber o benefício são pessoas com baixíssima ou nenhuma renda e, por isso, com o consumo reprimido. Os bens que já lhes faltam são bens não-duráveis (alimentos, bebidas, vestuário, calçados, limpeza, higiene, etc.) e, principalmente, bens duráveis (eletrodomésticos, eletrônicos, móveis, etc.).

Vamos supor uma situação conservadora, onde uma família pega emprestado R$ 1.200 para dar uma melhorada na casa. Considerando uma taxa de juros razoável para os padrões brasileiros, de 50% ao ano, em 12 meses a família teria que pagar ao banco um total R$ 1.800. Desse, R$ 1.200 seria a devolução do empréstimo e R$ 600 os juros. Por mês, o valor seria de R$ 150, sendo R$ 100 de valor devido e R$ 50 de juros. Com isso, até o fim de 2022, o valor do Auxílio que ficaria na mão do beneficiário seria de R$ 450. De janeiro de 2023 até o fim do pagamento, restaria apenas R$ 250 por mês.

Diante da possível queimação de filme que é participar de um golpe desses (endividar e comprometer a renda dos mais pobres entre os pobres do Brasil), alguns dos maiores bancos privados que operam no país não vão participar desta sacanagem. Segundo a grande mídia, Bradesco, Itaú, Santander, Nubank e BMG já tiraram o time de campo. Mas, se individualmente alguns não entram, há aqueles que representam a clássica posição social de banqueiro: extrair dinheiro de quem quer que seja, doa em quem doer. O Banco Safra, por exemplo, já tem página só pra isso (link).

E o que isso tem a ver com as eleições? Tudo! Com os empréstimos as pessoas compram bens que não poderiam naquele momento, fazem a economia girar. O PIB do comércio cresce. Talvez, estimule até alguns setores produtivos. Bolsonaro acha que respira nas eleições.

Mas, o que acontece aos pobres endividados no futuro? Para Bolsonaro e Guedes pouco importa (nunca importou), pois a partir de 2023 eles não estarão mais no poder.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Gonçalves.

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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O alerta do Doutor catástrofe

Semana de 25 a 31 de julho de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Na crise de 2008, conhecida como crise financeira do “sub prime”, tornou-se famoso o economista americano Nouriel Roubini que passou a ser conhecido como “doutor catástrofe”. O grande feito de Roubini foi afirmar que a crise que se aproximava seria catastrófica. Roubini teve razão. Tivemos aqui no Progeb a satisfação de observar que as previsões do profeta já tinham sido feitas alguns meses antes e publicadas nas nossas análises. Infelizmente, neste cantinho do mundo que é a Paraíba. Até brincávamos que o Nouriel estava lendo as publicações do Progeb. (Quem duvidar vá ao blog e pesquise nos arquivos dos idos de 2008.)

O Roubini voltou às manchetes. O doutor catástrofe fala novamente: “Desta vez temos uma confluência de estagflação e de uma grave crise da dívida”. E segue a nova profecia: “Então pode ser pior do que os anos 70 e que a crise de 2008”. Parece que o profeta voltou a ler as nossas Análises. O leitor que nos tem acompanhado já sabe que a estagflação está de volta, o que vem sendo reconhecido cada vez mais, embora a contragosto, pois a ideologia econômica oficial não tem explicação para ela. É uma vergonha que precisa ser ocultada. Outra vergonha é a violência da crise que, desta vez, vem associada a dois fenômenos extraeconômicos: o covid-19 e a guerra.

Isto é demais. Não basta uma ideologia econômica furada e aparecem dois fenômenos que não cabem dentro dela. O vírus vai sendo superado pela ciência com as vacinas. Para a guerra não há soluções econômicas ou científicas. O problema vai para o campo da política e da geopolítica. Eis a grande questão. Continua-se a falar da crise como se fosse apenas um problema econômico. Agora aparecem os arautos da antiglobalização como se ela fosse a culpada. Tenta-se inutilmente o combate à inflação com medidas de política monetária. Às vezes aparece um iluminado para chamar a atenção, como o presidente do Federal Reserve (Fed) de Atlanta nos EUA, que sugere que as causas do fenômeno são não monetárias. Nada adianta. A bíblia monetarista deles tem de ser seguida e os bancos centrais de todo o mundo continuam a subir os juros o que, certamente contribuirá para agravar a crise. O próprio Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) (equivalente ao nosso Copom), órgão do Fed, banco central americano, para esfriar a economia, elevou em 0,75% os juros do país que passaram para o intervalo de 2,25% e 2,50%. O pior é que, apesar da Secretária do Tesouro dos EUA Janet Yellen negar, o país já está em “recessão técnica”, segundo os critérios criados por eles mesmos. Há dois trimestres seguidos que o PIB cai: -1,6% no primeiro e -0,9% no segundo. A economia dos EUA está desacelerando e vai piorar, com graves consequências para o Brasil. Na Europa a situação também se complica. A Rússia reduziu o volume de fornecimento de gás pelo Nord Stream a apenas 20%, o que pode acelerar a recessão na Alemanha, Itália e Hungria e os preços dos alimentos e energia continuam a subir.

A nível internacional temos outros dissabores com a redução das compras de petróleo pela China e Índia, que passaram a importar da Rússia. Tudo indica que o nosso saldo positivo da balança comercial vai acabar. Por outro lado, a pressão sobre os preços dos alimentos e combustíveis deve continuar o que alimenta a nossa estagflação teimosamente combatida com elevação de juros, que por seu lado, continuarão a subir.

Apesar da PEC das bondades, que está provocando uma certa reanimação na economia e no emprego, a volta do cipó de aroeira é esperada para 2023 com manifestações iniciais já em dezembro. A crise vai agravar-se.

Apenas para registrar, as consequências da reunião com os embaixadores estão sendo trágicas para o governo. Provocou o alerta da sociedade civil e está conseguindo, em um manifesto, unir burgueses e proletários em defesa da democracia, diante das pregações golpistas desesperadas do presidente, que já marcou nova data e local para o golpe: 7 de setembro no Rio de Janeiro. Quase todas as federações de trabalhadores e empresários juntamente com milhares de cientistas, artistas, políticos, empresários, professores etc. já assinaram. Espera-se a leitura no dia 11 de agosto, em São Paulo, na faculdade de Direito.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Alves.

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