terça-feira, 17 de março de 2009

Se tivessem lido O Capital...

Semana de 23 de fevereiro a 01 de março de 2009


Foi interagindo com a natureza e utilizando suas aptidões físicas e mentais que o homem se perpetuou no planeta Terra e tem conseguido superar todas as adversidades. Contudo, diferentemente de qualquer espécie viva existente, o homem foi muito além de lutar pela sobrevivência, foi capaz de criar um excedente. Em civilizações anteriores ao capitalismo já se observava excedente econômico. A possibilidade de produzir além do necessário à subsistência está vinculada ao aumento da produtividade do trabalho. No entanto, a expropriação deste excedente só passa a ser possível com o desenvolvimento de instrumentos de guerra que, dominados por uma minoria, possibilitam a submissão da maioria dos indivíduos.
O excedente econômico no modo capitalista de produção é função de ambos os mecanismos. Aoexpropriar os meios de produção da maior parcela dos indivíduos, o sistema forçou-os a vender sua força de trabalho como única saída. A partir de então, e utilizando as palavras de Marx, pode-se dizer que “o trabalhador é livre para escolher entre vender sua força de trabalho ao capitalista ou morrer de fome”. Isto torna claro que a escravidão do trabalhador, no capitalismo, é mistificada, escondida, sutil, ou seja, os “grilhões são invisíveis”.
No capitalismo, graças à divisão social e técnica do trabalho e ao desenvolvimento tecnológico, aprodutividade alcançou uma magnitude nunca vista antes. A busca incessante pelo lucro levou a criatividade humana a ultrapassar todos os limites do imaginável e do que se pensou que fosse possível. Atualmente, nos encontramos “afogados” dentro de um volume imenso de mercadorias: são cores, formatos, tamanhos, estados físicos e funções as mais diversas possíveis.
Graças às relações de classe impostas pelo sistema, uma parcela se apropria destes ganhos de produtividade em detrimento dos demais.

Embora as mercadorias sejam vendidas no mercado, possibilitando a apropriação de lucros pelo capitalista, a geração de riqueza e excedente se dá no processo produtivo. É ao longo do processo de produção e, por meio do trabalho humano, que o valor é criado. O desenvolvimento das forças produtivas foi imenso, mas incapaz de produzir o milagre de gerar riqueza sem trabalho, nem esforço. Em meio à “farra” financeira, os especuladores acharam que este milagre finalmente tinha ocorrido e, que não era mais preciso correr os riscos da produção, abrindo mão do capital em sua forma sublime (de dinheiro) para acumularem mais riqueza.
Como, certamente não tinham lido ""O Capital", ou o lendo, tinham achado que Marx era um chato,ultrapassado e limitado, até 2007, estes especuladores riram do Estado e das profecias do cientista revolucionário. Mas, como quem ri por último, ri melhor, aqueles que conhecem o capitalismo ficaram tranqüilos, pois sabiam que a brincadeira tinha prazo de validade. Certamente, só lamentariam pela socialização dos prejuízos, quando a “bomba” estourasse.

Pois é, a “bomba” de fato estourou e os prejuízos já estão sendo divididos entre todos, embora durante a “festa”, apenas alguns poucos se tenham beneficiado. Agora, a situação é a seguinte: o mundo globalizado está no meio de uma profunda e grave crise também global, sem previsão de término e, muito pior, sem Keynes para ajudar.

Aqueles que conhecem profundamente o capitalismo e o cenário atual, não têm dúvidas de que esta é a maior crise já vivida pelo capital desde os seus primórdios. Alguns economistas até arriscam afirmar que esta crise representa o fim do capitalismo.

Para o economista argentino, Jorge Beinstein, professor da Universidade de Buenos Aires, em artigo publicado na revista espanhola El Viejo Topo, em 18 de fevereiro passado, esta não é mais uma crise, mas a última. Depois dela, o capitalismo não se sustentará. O artigo é realmente assustador, pois as conclusões são baseadas em fatos e argumentos concretos e verdadeiros. Segundo ele, são vários os indícios de esgotamento das forças produtivas sob o capitalismo: a hipertrofia financeira; a desaceleração da economia mundial no longo prazo; as crises energética e alimentar, como mero efeito da incapacidade tecnológica do sistema em superar o esgotamento dos recursos naturais não renováveis; a decadência dos Estados Unidos e a sua degradação estatal-militar (evidenciada pelo fracasso da aventura dos falcões norte-americanos).
Também o economista Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York, continua com suas previsões. Diferentemente do Jorge Beinstein, não concluiu que o capitalismo caminha para o fim mas vislumbra um quadro bastante difícil.
Segundo Roubini, um novo banco, respaldado pelo Governo, poderá quebrar, apesar da socialização das perdas privadas já terem transferido muito do seu passivo financeiro para as contas soberanas. Ele acredita que existe uma probabilidade de 30% de ocorrer uma “quase depressão em forma de L se não houver uma ação adequada e agressiva”, por parte do governo dos Estados Unidos e de outras economias de relevância, para evitar a quebra de um banco. Para Roubini “a economia mundial está agora literalmente em queda livre, uma vez que a contração do consumo, dos investimentos em bens de capital, dos investimentos residenciais, do nível de emprego na produção, das exportações e importações está se acelerando, e não desacelerando”.
Os números continuam piorando e deixando claro que a crise é muito mais séria do que pensavam, mesmo os mais pessimistas. O Japão, até o momento, é a maior vítima do estrago. O seu PIB foi o mais afetado, no quarto trimestre de 2008, sofrendo uma retração de 12,7%, o pior resultado desde 1974. Em janeiro deste ano (comparado a janeiro de 2008), as exportações japonesas caíram 45,7%, devido à queda nas vendas para as economias da China, Estados Unidos, União Européia e Rússia, principalmente. As importações também sofreram retração significativa de 31,7%, provocada, em grande medida, pelo recuo das compras de petróleo.

O economista chefe, para o Japão, do Barclays Capital, Kyohei Morita, pensa que, “com a crise econômica mundial, o modelo japonês de dependência das exportações não funciona mais”.
Na União Européia, o quadro também é grave, tendo em vista que a maior economia do bloco e da Zona do Euro registra retração no produto. A Alemanha sofreu, no último trimestre de 2008, uma queda de 2,1% no seu PIB, o pior resultado em 22 anos e a terceira queda trimestral registrada. Suas exportações caíram 7,3%, no mesmo período, em relação ao trimestre imediatamente anterior, e os investimentos das empresas em instalações e máquinas se reduziram 4,9%.

PIB do quarto trimestre de 2008 para União Européia,Japão e Estados unidos (*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Numa declaração semelhante à do economista japonês, anteriormente citado, Alexander Koch,economista do UniCredit MIV, em Munique, desabafou: “quando a economia mundial entra em recessão, existem conseqüências consideráveis para um país orientado para as exportações, como a Alemanha”. Em seguida ele completou: “o declínio nos investimentos e nas exportações é impressionante e os dados que estão chegando mostram que as perspectivas para este primeiro trimestre não são melhores”.
Até o presente, a solução mais apontada para a situação atual é a estatização do sistema financeiro; mas os donos das instituições (agora em derrocada) não querem abrir mão do que possuem (ou possuíam). Querem que o Estado os capitalize, para que possam continuar na mesma “brincadeira” de antes. O anúncio do Tesouro norte-americano de que vai comprar ações preferenciais conversíveis dos 19 maiores bancos norte-americanos se os testes de estresse determinarem que eles necessitam de mais capital para um cenário de recessão ainda mais profunda, deixou as bolsas de valores mundiais em pânico. Com muito cuidado, o presidente do FED argumentou que as ações preferenciais só irão ser convertidas, em ordinárias, se as perdas extraordinárias se materializarem, descartando a idéia de que o Governo planeja assumir o controle das principais instituições financeiras do país.
Ao se pronunciar sobre o assunto Ben Bernanke, presidente do Banco Central dos Estados Unidos (FED), afirmou: “não vejo nenhuma razão para destruir o valor das marcas ou criar grandes incertezas legais em uma tentativa de nacionalizar um banco quando não for necessário”. A questão é saber os parâmetros que determinarão se e quando é ou não é necessário!

É importante ressaltar que as ações preferenciais constituem papéis que não dão poder de decisão aos compradores, funcionando assim como mera injeção de capital. As ações com poder de voto na companhia são as ordinárias, justamente as tais que o Governo justificou que só comprará em última instância. Última instância, neste caso, diz respeito à situação em que o banco estará valendo menos do que qualquer mercadoria na xepa e, por isso o seu próprio dono não o vai querer mais.

No Brasil, a crise também mostra a sua gravidade. Depois da perda de mais de 600 mil empregos, em dezembro, o ano começou com uma perda de 101,7 mil postos de trabalho, em janeiro, o que significou uma retração de 0,32% no estoque de empregos, em relação a dezembro. Numa afirmação nada convincente o ministro do Trabalho e do Emprego, Carlos Lupi, declarou: “a perda de 102 mil empregos não é boa para o país, mas há sinais inequívocos de melhora”.

O presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos – Abimaq, Luiz Aubert Neto foi muito claro em suas declarações e se mostrou bastante temeroso com a situação: “esperávamos queda, mas o resultado negativo foi muito além do imaginado. Posso caracterizá-lo como assustador. Os investimentos estão paralisados e não sabemos quando isso mudará”.



Índice de utilização da capacidade instalada para a indústria brasileira (*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

O faturamento nominal da indústria de máquinas e equipamentos sofreu uma queda de 38,6%, em janeiro de 2009, em relação a dezembro de 2008, e de 34,7%, quando comparado com o mesmo mês, em 2008. As exportações do setor também se reduziram em 23,6%, em janeiro de 2009, em relação ao mesmo período de 2008.

Exportações e Importações para o Brasil (*)
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Se os resultados fracos reportados pela indústria persistirem em fevereiro e março, o setor deverá fechar cerca de 50 mil postos de trabalho, no primeiro semestre deste ano, afirmou o presidente da associação, anteriormente mencionado. “A situação é crítica. Se continuar como está, e os sinais são de continuidade, não terá como segurar as demissões... no patamar que estamos chegando, férias coletivas ou paradas técnicas já não adiantam”.
Diante dos fatos espera-se que o futuro próximo seja muito ruim. Resta-nos saber se esta será apenas a maior crise do capitalismo ou o seu próprio fim. Para os ainda otimistas, é melhor acordar, encarar a realidade para minimizar as decepções e se preparar para o que vem por aí.


Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
progeb@ccsa.ufpb.br

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