sábado, 31 de dezembro de 2011

O velho barbudo

Semana de 19 a 25 de dezembro de 2011


Lucas Milanez de Lima Almeida*



Fim de ano. Para alguns, este é o tempo de celebrar o nascimento do filho de Deus, sua imagem e semelhança, nobre representante das vontades do Pai: Jesus Cristo, um barbudo, porém jovem, operador de milagres, curador de mazelas e pregador da justiça divina.
Por outro lado, para outras pessoas, é tempo de celebrar a vinda do bom e barbudo velhinho, Papai Noel, recompensador do bom comportamento e defensor da materialização dos sentimentos por meio de presentes.
Onisciente, onipotente e onipresente: por estar na cabeça de todas as pessoas, quando estas tomam suas “decisões”, por ser o fiel da balança nas “escolhas” dos homens e por ser o criador de tudo que está a nossa volta, podemos afirmar que o Capital, infelizmente, domina grande parte da ação humana. Além disso, ao buscar a realização dos seus objetivos, ele causa tragédias para a humanidade. Quem pode negar a existência da desigualdade entre os homens? E a cobiça pelo vil metal?
Mas todo senhor tem um inimigo. Diante das calamidades advindas da busca incessante pelo lucro, deveria haver, inevitavelmente, a insurgência de um salvador. Por isso, para enfrentar o Capital, surgiu, do proletariado, uma esperança: outro velho barbudo que também veste uma camisa vermelha e foi um dos principais fundadores do socialismo científico, a saber, Karl Marx.
Muito mais do que um crítico do capitalismo, ele foi o cientista que melhor expôs as leis que o regem este sistema e, principalmente, as consequências gerais que ele pode provocar.
Em pleno século XIX, Marx já falava sobre a concentração da riqueza e a eliminação de pequenos e médios produtores, seja por fusão e/ou aquisição por parte dos capitais maiores, o que continua ocorrendo. Por exemplo, aqui no Brasil, a 3ª maior rede de farmácias do país, Pague Menos, com faturamento estimado de R$ 2,8 bilhões, só este ano, negocia a compra da Ultrafarma, que deve faturar R$ 400 milhões em 2011. Se juntarmos as quatro maiores redes de farmácias, veremos que elas controlam 28,5% do mercado nacional. Outro exemplo: esta semana foi anunciado em Portugal a aquisição, por parte da chinesa Three Gorges, de 21,35% da empresa estatal Energias de Portugal. Esta operação faz parte dos planos de reestruturação e austeridade do governo lusitano.
Por outro lado, ao falar sobre o progresso técnico, Marx demonstrou que, em busca de maior lucratividade individual, ao renovar o parque fabril, o capitalista emprega relativamente mais máquinas em detrimento do emprego de força de trabalho. Mas o problema não seria o avanço em si, mas sim sua utilização capitalista. Como dissemos aqui há um mês, as novas formas de trabalho escondem os velhos dilemas da classe trabalhadora.
Exemplificando novamente: a JBS, umas das líderes do mercado global de carnes, pretende fazer uma “mudança” em suas fábricas, que vai representar o corte de 1,5 mil postos de trabalho. Dentre os cargos eliminados estão os chamados sobrepostos, aqueles que são executados por duas ou mais pessoas, mas podem ser executados apenas por uma. Isto quer dizer que haverá o acúmulo de funções e aumento da intensidade do trabalho sem, necessariamente, a correspondente elevação dos salários. No fim das contas, serão economizados US$ 500 milhões.
Para falar mais do desemprego, podemos mencionar o fechamento de aproximadamente 20 mil vagas no setor têxtil brasileiro só este ano. Mas, a causa deste seria outra: a concorrência desleal com os produtos chineses, produzidos com mão de obra barata e em condições precárias.
E continuando a falar da teoria de Marx, devemos mencionar também a lei do ciclo econômico, segundo a qual as economias capitalistas passam por períodos de maior e menor crescimento (ou até decrescimento) da produção. Mas, como esta lei está se manifestando com força agora, bem diante dos nossos olhos, não precisamos falar dela.
Acho até melhor pararmos por aqui. A análise começou tratando de um tema bem melhor do que este.
O ideal seria falarmos apenas do velho barbudo de vermelho, aquele da Coca-Cola, que faz a realidade parecer mais agradável, com neve, lareira, renas, etc., e desejar a todos os leitores muitas felicidades no ano de 2012 que promete ser muito difícil.


* Mestre em Economia, professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.).
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sábado, 24 de dezembro de 2011

Homem primata! Capitalismo selvagem!

Semana de 12 a 18 de dezembro de 2011


Rosângela Palhano Ramalho¹




Desde 1825, um fenômeno econômico mundial se repete de forma periódica. Clement Juglar registrou a repetição, a partir de 1862. Segundo ele, as crises econômicas se repetem num período que varia entre 7 e 11 anos. Embora estudos comprovem a sua existência, no pós-segunda guerra mundial, os economistas acabaram com o problema chamando o capitalismo de “pós-cíclico”. As “flutuações econômicas”, termo que passou a designar as crises, eram então “acidentes” do capitalismo que facilmente poderiam ser resolvidos.
A partir de 2008, tivemos que conviver com mais este doloroso “acidente”, retomado em 2011. Uns relutam em admitir que a crise esteja aí, outros lançam probabilidades de ocorrência e alguns já admitem: estamos no fundo do poço. A OCDE detectou, em outubro, a oitava queda consecutiva da atividade econômica mundial. O Bank of America, projetou uma “desaceleração significativa” em 2012 com risco de 40% de recessão mundial. Já Paul Krugman bradou a frase que ninguém quer ouvir: “Estamos em uma depressão mundial”.
A Europa, de forma desesperada, tenta salvar a economia e o euro. Sob o comando do casal Merkozy, foi costurado um acordo de austeridade fiscal, sem a participação do Reino Unido. A idéia é fazer cumprir as metas de austeridade fiscal fixadas há mais de uma década e desrespeitada por todos, inclusive pela Alemanha e França. Países que permanecerem com déficit acima de 3% do PIB sofrerão sanções impostas pelo Tribunal Europeu de Justiça.
A saída está longe da “proposta modesta” lançada ainda em 2010, por estudiosos da Grécia e Portugal. Na ocasião, foram sugeridas as trocas de títulos da dívida pública por papeis do Banco Central Europeu, a conversão simultânea destes papéis pela autoridade monetária e a utilização dos fluxos de recursos obtidos no financiamento da recuperação
Embora tenha relutado bastante, a premier da Alemanha admitiu a ampliação do fundo de socorro aos bancos, de € 360 bilhões, para € 480 bilhões e a ajuda governamental caso os bancos não consigam captar no setor privado.
Portugal já tinha posto o plano de salvamento bancário em prática, vendendo ativos no valor de € 78 bilhões. Mas, o valor de mercado dos três maiores bancos portugueses caiu 68%, o que equivale a uma perda de €6,3 bilhões e o país já cogita nacionalizar parte do seu setor bancário. Em 2012, a economia portuguesa encolherá 3%, segundo a Comissão Européia, e o rendimento dos bônus de dez anos de Portugal quase duplicaram, nos últimos meses, chegando a 13%.
A situação também não melhorou na Itália. Mario Monti teme o risco de retorno do terrorismo político. Pichações do tipo “Abaixo os banqueiros ladrões!” surgem nas cidades e, organizados ou não, os protestos no país são cada vez mais comuns.
No Reino Unido, o número de desempregados, no terceiro trimestre, alcançou 2,64 milhões e a taxa de desemprego subiu a 8,3%.
Enquanto a produção industrial da zona do euro caiu 0,1%, o Programa Eurotast divulgava que 79 milhões de europeus vivem abaixo da linha da pobreza. Destes, 43 milhões encontram-se numa situação de risco alimentar e sem dinheiro para adquirir alimentos. Estima-se que a população pobre da Europa esteja em torno de 41,5% da população total.
Por outro lado, a Conferência do Clima, em Durban na África do Sul, promovida pela ONU, trouxe como resultados apenas mensagens políticas: a continuidade do Protocolo de Kyoto e compromisso de elaboração de outro documento que inclua todos os países. Tal documento só ficará pronto em 2015 com estimativa para entrar em vigor em 2020.
Mas, quem se importa?
Selvagemente, o “mercado” ainda espera ansioso uma “solução satisfatória” para a crise. E as agências de risco, assim como abutres que cercam a sua presa, ameaçam rebaixar a classificação de crédito dos europeus, o que trará mais um ingrediente negativo para o “mercado”.
Enquanto isso, dados sobre a desigualdade são divulgados. Cálculos realizados pelo Financial Times mostram que só 58% da renda americana equivale a salários. No pós-guerra esta participação era de 63%. Ou seja, a classe trabalhadora americana perdeu o equivalente a US$ 740 bilhões de dólares só este ano. Nunca a remuneração do capital foi tão alta
No Brasil, o departamento de gestão de grandes fortunas do Credit Suisse estima que, em 2016, os recursos dos milionários atingirão R$ 1 trilhão. Quase 500 mil novos milionários entrarão no mercado. O número passará de 319 mil para 815 mil, aumentando 155%.
Notícias boas só para os banqueiros. Segundo a Febraban, o lucro conjunto de 134 instituições bancárias, no terceiro trimestre, apresentou queda de 1,4% em relação ao trimestre anterior, mas lucro de 41% em relação ao mesmo período do ano passado! Este ano o setor bancário brasileiro é de longe o mais lucrativo. Em contrapartida a inadimplência das pessoas físicas subiu. Até novembro, este índice alcançou 22,4%.
É bom aprender. A vida é cruel... Homem primata! Capitalismo selvagem!

¹ Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)
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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A procura da luz no fim do túnel: mais sinais de desespero

Semana de 5 a 11 de dezembro de 2011


Tatiana Losano de Abreu




Em meio às especulações em torno do fim do euro, ainda existia uma luz no fim do túnel. O início da semana foi marcado por fortes expectativas em relação a mais uma reunião da cúpula dos líderes da União Européia com o objetivo de definir ações concretas para tirar a zona do euro da crise.
Na véspera da reunião, a dupla Mercozy continuou a bater na mesma tecla: só é possível solucionar a crise através da austeridade orçamentária. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy se reuniram, representando os dois motores políticos e econômicos da zona do euro (França e Alemanha), para elaborar uma proposta a ser apresentada e aprovada pelo resto da União Européia, na reunião marcada para o final da semana. A proposta resumiu-se em um novo marco regulatório que, segundo eles, representaria um modelo claro para instituir uma nova cultura de estabilidade. Entre os pontos deste marco estava a proposta de criação de sanções automáticas a serem impostas aos países que violassem as regras da União Européia, em relação ao déficit orçamentário, que não poderia ultrapassar os 3% do PIB, ou seja, a criação de freios compulsórios ao endividamento.
A proposta gerou inquietações no Conselho Europeu. Enquanto o presidente do conselho, Herman Van Rompuy, propunha a criação de um plano menos audacioso, a dupla Mercozy discordava radicalmente desta proposta e recusava-se a aceitar outras idéias discutidas em Bruxelas. A autoridade alemã, através de um sonoro “Não!” deixou claro que o governo alemão não está disposto a apoiar a proposta chamada “bazuca financeira”. O potente arsenal de guerra consistia em um sistema de reforço que somaria mais de 1 trilhão de euros de proteções financeiras, resultado da combinação de recursos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (440 bilhões de euros), com o Mecanismo Europeu de Estabilidade (500 bilhões de euros), e o apoio equivalente a 200 bilhões de euros para o FMI. Enquanto Merkel e Sarkozy insistiam de um lado, David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido, teimava do outro, demonstrando fortes objeções aos procedimentos de disciplina fiscal. No final da reunião, instalou-se um clima de decepção. Foram provadas algumas medidas para maior união fiscal, porém muito aquém da proposta inicial da dupla Merkozy e o Reio Unido foi deixado fora de todas as decisões. A bazuca financeira foi reduzida a um empréstimo ao FMI no valor de 200 bilhões de euros, ainda a ser confirmado e um arsenal de apenas 500 bilhões de euros disponibilizados a partir de julho de 2012. A decepção maior foi com o Banco Central Europeu, que negou apoio mais direto para a injeção de liquidez na economia.
Já os últimos passos da Autoridade Bancária Européia, a agência reguladora da União Européia, virou uma faca de dois gumes. Segundo relatório recém divulgado, os bancos europeus precisarão levantar 114,7 bilhões de euros em capital novo para atingir os 9% de capital de alta qualidade, necessários para absorver os possíveis prejuízos envolvendo títulos da área do euro. O objetivo é compreensivo: criar um colchão de capital temporário e excepcional para amenizar os riscos soberanos e de crédito, já que muitos desses bancos estão expostos aos títulos do governo grego. Os problemas são os mecanismos para atingir estas metas audaciosas. Os bancos provavelmente enxugarão seus balanços, intensificando o aperto do crédito em uma economia já desaquecida. Para Gary Cohn, presidente do conselho de administração e diretor de operações do banco americano Goldman Sachs, os tomadores de crédito devem ficar em estado de alerta.
Em alerta continua também o governo brasileiro, principalmente após a divulgação da estagnação do crescimento da economia do país, no terceiro trimestre, em relação ao trimestre anterior. Este resultado confirma que os incentivos recentes dados à economia devem ter efeito quase nulo em 2011 e que o PIB, neste ano, crescerá abaixo de 3%.
Responsabilizado pelo desaquecimento, o governo muda o discurso ao comprometer até mesmo o sagrado orçamento equilibrado, no desespero de garantir o crescimento da economia em 2012, ano de eleições.

Economista, Professora substituta do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

“Refundar o capitalismo louco”

Semana de 28 de novembro a 04 de dezembro de 2011

Nelson Rosas Ribeiro[i]

Estas são as palavras de um político de direita, o presidente da França Nicolas Sarkozy. E ele disse mais. Afirmou que “A Europa será varrida pela crise se não mudar” e que “Vivemos o maior desafio desde a nossa criação.”

Tais declarações são sintomas do pânico que continua a espalhar-se pelo mundo, e o presidente francês é acompanhado, em seus temores, por vários chefes de estado europeus, inclusive pela toda poderosa premier da Alemanha, Angela Merkel. Aliás, a concordância dos dois chefes dos maiores países europeus é de tal ordem que eles já são chamados de casal Merkozy.

A questão centra-se nas chamadas dívidas soberanas dos Estados e no desequilíbrio dos orçamentos. Ninguém consegue pagar as dívidas existentes, que são agravadas por juros elevados e continuam a aumentar diante dos desequilíbrios dos orçamentos. Mesmo as poderosas Alemanha e França têm déficits orçamentários superiores ao tolerado pela própria UE, que é de 3%. Os maiores credores dessas dívidas são os bancos europeus, o que forma um círculo vicioso. Se os estados quebram, os bancos também quebram com consequências desastrosas para todas as economias.

A novidade da semana foi a ação coordenada dos seis maiores Bancos Centrais do mundo, Inglaterra, Canadá, Japão, Suíça e Banco Central Europeu, capitaneados pelo Federal Reserve (Fed), Banco Central dos EUA, com o objetivo de aumentar a liquidez dos mercados. O Fed, mais uma vez, despejou dólares em abundância pelo mundo afora. O berreiro pela falta de liquidez volta-se agora para a União Européia e o “mercado” começa a clamar pelo derrame de euros por parte do BCE. Os especuladores financeiros estão desesperados e famintos e dizem que o derrame feito mal dará para uma semana de alívio.

A OCDE, considerando a zona do euro já em recessão, pressiona o BCE para reduzir as taxas de juros e comprar os bônus dos governos falidos do PIIGS. Paris e Berlim retraem-se e chantageiam com a necessidade de controle sobre os orçamentos dos perdulários propondo um organismo supranacional para regular a política fiscal dos demais. É isto que se entende por “refundar” a UE.

Mas, o problema não se limita às fronteiras da Europa. A economia da Índia desacelera, tendo o pior desempenho desde 2009, e a produção industrial do gigante chinês contraiu-se, em novembro, pela primeira vez em três anos, o que já motivou uma intervenção do BC do país. Os apertos fiscais generalizados por todo o mundo, como era de se esperar, estão provocando protestos que tendem a se intensificar nos próximos tempos. Preparemo-nos para a quebradeira.

A economia dos EUA conseguiu manter-se estável, mas apresentou uma novidade: a poderosa American Airlines teve o pedido de concordata aceito pela justiça.

Por estes brasis, afinal a ficha caiu: a desaceleração da economia tornou-se fato público e comenta-se que é maior do que se esperava. A equipe do ministro Mantega entrou em campo jogando pesado, desta vez fazendo parelha com o BC. A taxa de referência Selic, na reunião do Copom da quarta feira, foi reduzida em 0,5%, caindo para 11%, ainda a maior do mundo. Mas no fim de semana foi a vez das medidas macroprudenciais. O pânico tomou posse do governo diante da possibilidade de um crescimento do PIB inferior a 3% este ano, e um crescimento inferior a 2,5% em 2012, ano de eleições. A presidente Dilma não gostou e pediu providências. Depois de ter, o país, crescido 7% em 2010, não quer ser a presidente dos 2,5%, nos dois primeiros anos de mandato. O pacote de bondades, além da queda da Selic, incluiu redução de impostos sobre os produtos da linha branca e alguns alimentícios, devolução de impostos aos exportadores, aumento de crédito ao consumo e para a habitação popular, redução de IOF para aplicações de estrangeiros, etc.

E tudo isto ocorre enquanto a petrolífera Chevron (que derramou petróleo no mar) produz clandestinamente gás venenoso em um dos seus poços, e Fernandinho Beiramar, com base em um presídio de segurança máxima, fatura R$ 61,8 milhões com seus lucrativos negócios.



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

As Novas Vagas de Trabalho e os Velhos Dilemas

Semana de 21 a 27 de novembro de 2011

Diego Mendes Lyra [i]

Muito se fala no Brasil a respeito dos desafios e dos problemas a serem enfrentados para que o país possa crescer de maneira mais “robusta” e “sustentada”. Um dos obstáculos seria a ausência de trabalhadores qualificados e especializados em determinadas funções, necessários para atender à demanda das empresas em diversos setores da economia.

Este tema, de tanto ser enfatizado pelos meios tradicionais de comunicação, já se tornou um “lugar comum” para o qual se dirige o debate acerca do crescimento econômico, algo semelhante a um clichê que se repete, com frequência, de maneira superficial, como se fosse uma verdade absoluta e inquestionável.

O assunto, no entanto, merece uma reflexão mais profunda por se tratar de algo bem mais complexo do que parece e carregar consigo uma multiplicidade de aspectos, comum aos problemas relacionados com a atividade do trabalho. Nesse sentido, é necessário analisar os dados relacionados ao mercado de trabalho brasileiro com cuidado, para não serem tiradas conclusões precipitadas, como a de que o país se encontra em pleno emprego, defendida por alguns economistas. Elas são fundamentadas, dentre outras coisas, por números como os divulgados pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo ela, a taxa de desemprego atingiu 6% em setembro, a menor desde que a pesquisa começou a ser realizada em 2002.

É importante lembrar que a PME é uma pesquisa amostral realizada nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Por isso, seus resultados estão longe de refletir, com exatidão, a heterogeneidade da população economicamente ativa do país. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, possui uma maior abrangência, embora os seus dados se refiram ao mercado de trabalho formal.

As informações do Caged mostram que as vagas de trabalho criadas em 2011 ocorrem, sobretudo, dentro da faixa de salários que vai até dois salários mínimos, dentro da qual se criou 1,92 milhão de vagas. Nas faixas acima de dois salários mínimos, as empresas demitiram mais pessoas do que admitiram, registrando-se um fechamento de aproximadamente 140 mil vagas ao longo do período que vai de janeiro a setembro. Isto indica que o grosso das vagas de trabalho que estão sendo criadas oferece baixos salários, além de apontar para o fato de que as empresas estão demitindo antigos trabalhadores para contratar novos com salários menores. Por outro lado, na faixa de rendimento de 15 a 20 salários mínimos, nas quais estão, em geral, os trabalhadores mais qualificados, houve um saldo negativo de 4.607 entre admitidos e demitidos.

Cabe-nos aqui então colocar duas questões: se um dos principais problemas para o crescimento brasileiro é a ausência de mão-de-obra qualificada, então por que as empresas estão demitindo mais trabalhadores qualificados do que contratando? E para quê serve mais e mais qualificação se as vagas de trabalho que estão sendo criadas não são adequadas para absorver essas pessoas? Ao que parece, questões como estas até agora não foram devidamente discutidas dentro desse debate, assim como muitas outras relacionadas com a qualidade do trabalho e suas consequências na vida das pessoas.

Recentemente, uma pesquisa realizada pela Asap, consultoria de recrutamento de executivos, que ouviu profissionais que ocupam cargos como analistas, gerente e supervisor, mostrou que o email e o celular estão estendendo a jornada de trabalho para casa e até para as férias. Segundo a consultoria, quase 80% dos entrevistados são acionados nos momentos de lazer e descanso, via mensagens no celular, para responder algum problema relativo ao trabalho.

Desse modo, as novas tecnologias da informação e comunicação permitem a introdução de novas formas de extensão da jornada de trabalho, e este é apenas um exemplo para mostrar como por trás da criação de novas vagas e o relativo aquecimento do mercado de trabalho se escondem alguns dos velhos dilemas presentes no mundo do trabalho.



[i] Professor do Departamento de Economia da UFCG e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira (progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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domingo, 27 de novembro de 2011

No mundo, austeridade. No Brasil, desaquecimento

Semana de 14 a 20 de novembro de 2011

Tatiana Losano de Abreu [i]

A realidade econômica internacional não apresenta novidades. A zona do Euro continua a dar passos largos em direção a recessão, apresentando uma expansão de apenas 0,2%, entre julho e setembro, frente ao trimestre anterior. A Espanha e a Itália não surpreenderam ao definir os novos governos que serão responsáveis pelas canetadas sobre a população. Mariano Rajoy, do liberal Partido Popular Espanhol, já declarou suas intenções: aprofundamento das medidas de liberalização da economia, privatizações e mais austeridade. Já Mario Monti precisa apresentar resultados rápidos para manter o apoio dos italianos. Para tanto, definiu a equipe de tecnocratas que será responsável por corrigir a situação financeira da Itália e reiniciar o crescimento do país. Nos EUA foi organizado um super-comitê formado por democratas e republicanos para definir maiores ajustes fiscais e assim evitar o crescimento ínfimo de 1,5 a 3,5 pontos percentuais, em 2013. Esperam-se cortes de US$ 1 trilhão nos próximos 10 anos. Já o governo argentino anunciou mais um corte de US$ 925 milhões nos subsídios ao consumo de água, gás e energia elétrica.

Longe de restaurarem o sistema financeiro, e muito menos de evitar a inadiável crise cíclica, os resultados já estão evidentes até mesmo aos olhos do governo brasileiro.

A estimativa para a Formação Bruta de Capital Fixo, do terceiro trimestre, é de retração de 0,9% e a expectativa de crescimento do PIB, no mesmo período, é de apenas 0,3%. O emprego na indústria de transformação paulista teve o pior mês de outubro desde o início da medição realizada pela FIESP, em 2006. Houve uma queda de 0,66% no número de vagas, representando a liquidação de 18 mil postos de trabalho e a perspectiva é de fechamento de mais 40 mil vagas geradas pelo setor de açúcar e álcool com a chegada da entressafra.

Até mesmo nas estradas, já foi constatada a queda do movimento de veículos pesados, como os caminhões, responsáveis pelo escoamento das mercadorias no país. A desaceleração do consumo interno também atingiu as vendas dos lojistas dos shoppings centers no terceiro trimestre. O IBC-Br, índice de atividade econômica do Banco Central, apresentou retração trimestral de 0,32% em relação ao segundo trimestre do ano, representando a primeira queda, em bases trimestrais, registrada pelo indicador, desde o primeiro trimestre de 2009.

O decrescimento da economia brasileira está tão evidente a ponto da Presidente Dilma Russeff demonstrar preocupação em relação à deterioração da economia interna e ao provável mergulho, no terceiro trimestre. Sem conseguir conter-se, a presidente resolveu esclarecer ao Ministro Guido Mantega e ao Presidente do BACEN, Alexandre Tombini, que chegou a hora de impedir que o PIB brasileiro continue a cair, correndo o risco de crescer abaixo de 3%, neste ano. É preciso continuar com a trajetória de queda da Selic e estimular a oferta de crédito, um dos motores do crescimento do consumo das famílias, nos últimos anos.

Seguindo a “sugestão” da Presidente, o Banco Central decidiu dar mais uma cartada na mudança da política monetária, através do desmonte de parte das medidas macroprudenciais adotadas, há quase um ano, para controlar o crédito. Primeiro, foi dado um alívio na exigência de capital próprio dos bancos. O BACEN também desistiu de elevar o percentual mínimo de pagamento das faturas de cartão de crédito. A decisão foi parcial, já que manteve as exigências de compulsório sobre os depósitos à vista e a prazo. Mas, as medidas já geraram grandes expectativas em torno do aumento das concessões de crédito para a pessoa física, facilitando as vendas do Natal.

Os esforços para apresentar melhoras nos indicadores da atividade de 2011 não param por aí. O Governo conta com a ajuda do IBGE para rever a taxa de crescimento do PIB, em 2010, e assim aumentar os efeitos estatísticos sobre o PIB de 2011. Segundo o IBGE, a revisão é decorrente de um melhor desempenho da atividade no quarto trimestre de 2010. Se esta expectativa for confirmada, a re-estimativa vai impulsionar o PIB de 2011 através do “arrasto estatístico”. Mas, esta pequena mudança no PIB não modificará a realidade deste ano.

Teremos “Vacas Magras” neste Natal.



[i] Economista, Professora substituta do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).

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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

É 1% contra 99%!

Semana de 07 a 13 de novembro de 2011

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Prezado leitor, há algumas semanas, o mundo está voltado para o desenrolar da crise na Europa. A crise econômica que se revela cada vez mais grave tem gerado especulações sobre a impossibilidade de sustentação da moeda única européia e sobre o esfacelamento da zona do euro.

O fato é que não há luz no fim do túnel. E agora é a vez da Itália. Com dívida de € 1,9 trilhão que representa 120% do PIB e 1/4 de toda a dívida da Europa, o país, ao contrário da Grécia, é grande demais para ser salvo pelos colegas europeus. O Banco Central Europeu está comprando os títulos da Itália para evitar o aumento do prêmio de risco, mas a remuneração dos bônus italianos com resgate previsto para 10 anos passou de 5,22% para 6,06% entre setembro e outubro e atualmente supera os 7%.

O socorro necessário à Itália gira em torno de € 700 bilhões. Embora as autoridades italianas considerem humilhante pedir ajuda externa, e mesmo que Berlusconi tenha recusado US$ 50 bilhões do FMI, parece não haver outra saída. Silvio Berlusconi que estava no poder desde 2008, anunciou sua renúncia e, assim como em Portugal, Espanha e Grécia, o governo cai diante da crise.

O inatingível “mercado” vê nos tecnocratas sem vínculo à classe política, o milagre, a solução “adequada” para a crise. Com excelentes “credenciais”, os sucessores do governo da Grécia e da Itália assumirão o arrocho. Lucas Papademos, novo primeiro-ministro da Grécia, é formado pelo MIT e foi vice-presidente do Banco Central Europeu no período de 1994 a 2002. Entre seus feitos estão, a condução da adoção do euro na Grécia e a queda da inflação grega de 14,2% para 3,2%. Na Itália, o mais cotado para assumir o cargo é Mario Monti. “Altamente credenciado”, o candidato é economista e ex-comissário da União Européia.

Estes adotarão as sagradas medidas de austeridade fiscal, único antídoto conhecido e reconhecido, pela maioria dos países, para a crise. Não interessa se a taxa de desemprego, na Grécia, fechou em 18,4%, em agosto. Também não interessa a previsão do insignificante crescimento italiano de 0,5%, em 2011, e 0,1%, em 2012. Muito menos importa saber que a produção da Alemanha, maior economia da Europa, caiu 2,7% em setembro e que a previsão de crescimento da França caiu de 1,75%, para 1%, em 2012.

As estimativas para o bloco não são melhores. A OCDE lançou uma previsão, considerada otimista, de crescimento para a União Européia de 0,5%, em 2012, e a própria Comissão Européia reviu a previsão de crescimento do PIB, para 2012, de 1,9% para 0,6%. Nem mesmo a queda de preços das commodities, segundo o Banco Mundial, evitará a recessão, uma vez que Estados Unidos, Japão e Europa são responsáveis por 80% do consumo destes itens.

Consequentemente, com a queda do PIB, a relação dívida/PIB, indicador utilizado para mensurar a capacidade de um país de honrar seus compromissos, será maior. Ou seja, aquele corte nos gastos franceses de € 18,6 bilhões em 2012 e 2013, por exemplo, e que irá acontecer a pretexto de defender o triplo A, provavelmente não o sustentará, já que as medidas de austeridade fiscal provocarão a queda do PIB. Mas, o primeiro-ministro francês, François Fillon, totalmente convencido da necessidade do sacrifício, declarou que as medidas irão “proteger o povo francês das graves dificuldades enfrentadas por alguns países europeus”.

A unanimidade em relação à necessidade do arrocho faz com que o apelo do G-20 de que “o emprego deve estar no coração das ações e políticas” de combate à crise, soe como voz destoante. As manifestações se tornam cada vez mais freqüentes e os movimentos do tipo Ocupem Wall Street ganham força no mundo inteiro. Uma passeata em Londres, esta semana, contra o plano governamental de reduzir gastos e aumentar as mensalidades das universidades e que teve como lema “Nada de ses, nada de mas, nada de cortes na educação”, reforçou o movimento que detonará uma série de greves programadas para o fim do mês.

Aos poucos, as intenções do “mercado” procura sobrepor-se e esmagar o movimento daqueles 99% oprimidos pelo poderio financeiro. Infelizmente, o 1% parasitário, com sua capacidade de corrupção, compra o apoiado dos governos e a intelectualidade econômica que toma o mainstream como verdade absoluta e que vê em qualquer proposta alternativa, a maior das heresias econômicas. Continuamos a caminhar em direção ao fundo do poço.



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Para quem vai o novo Presente de Grego?

Semana de 31 de outubro a 06 de novembro de 2011

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Quem não conhece a história do Presente de Grego? O famoso Cavalo de Tróia simbolizou a capacidade que este povo tem de resolver problemas impossíveis. Pois bem, nas últimas semanas, mais do que nunca, os gregos estão tendo que mostrar novamente esta habilidade. Diante do elevado endividamento do Estado grego, do quebra pau com a população, da falta de apoio do Parlamento e das pressões externas, o primeiro ministro da Grécia, George Papandreou, resolveu dar à Zona do Euro um Presente de Grego, ao perguntar à população se ela concordava em pagar pela dívida do governo. Talvez o povo soubesse o que fazer diante de mais uma missão impossível. Seria feito um plebiscito, para saber se o país deveria ou não acatar a atarraxada do Fundo Monetário Internacional. O temor de todos os “agentes do mercado” era de que o eleitorado não aprovasse as propostas, já que o bônus não caiu, mas o ônus cairia sobre eles.

Quem não ficou nada contente foi o casalzinho Merkozy, formado por Angela Merkel, primeira ministra da Alemanha, e Nicolas Sarkozy, presidente da França. O problema chegou a tal ponto que paira sobre a Zona do Euro a possibilidade de a Grécia sair da união monetária, caso não cumpra suas “obrigações”.

O problema é que, apesar do perdão forçado de cerca de 50% da dívida grega e da surpresa do BCE, que reduziu os juros básicos para 1,25% (queda de 0,25%), o mercado especulativo ainda está muito exposto aos problemas europeus. Estima-se que só as instituições financeiras estadunidenses tenham US$ 1,8 trilhão em negócios com a Europa. Em 2009, este número era de US$ 1,2 trilhão. Quando comparamos estas cifras com as promessas de ajuda do FMI, vemos que elas não são suficientes para salvar os parasitas do mercado financeiro. A esperança era de que o Fundo tivesse, na melhor das hipóteses, US$ 1 tri para ajudar os bancos. Isto dependia da reunião do G20, que ocorreu em Cannes. Porém nada foi definido. Ao fim da reunião, Barack Obama ainda soltou que “aprendeu muito nos dois dias que passou dentro do complexo processo de tomada de decisões da União Européia”. A presidente Dilma Rousseff avaliou o encontro como um “relativo sucesso”, visto que outros assuntos, que não a crise européia, foram deixados em segundo plano.

Mas a esperança é a última que morre. Desta vez o trunfo para a Europa é Made in China. Com uma reserva cambial de US$ 3,2 trilhões, os novos-ricos chineses parecem ser os salvadores dos velhos-ricos. Mas, como todo produto Made in China, o socorro tem uma qualidade duvidosa. Quando se descontam todos os compromissos de curto prazo do governo chinês, sobram apenas US$ 1,5 trilhões, dos quais US$ 500 bilhões foram canalizados para o Fundo Soberano Chinês e outros US$ 500 bi podem ser destinados aos governos municipais chineses. Daquele total, sobram US$ 500 bi de reservas livres para a ajuda.

Muito se fala em ajudar ao próximo. Mas esta ajuda também terá um preço caro, pois, além de devolver o dinheiro emprestado, o país precisa pagar os respectivos juros. A principal condição para a efetuação dos empréstimos, que é uma espécie de garantia do pagamento, é a redução do déficit orçamentário, o que significa dizer que haverá um aumento nas receitas do Estado e uma redução nos seus gastos. Tais medidas, por sua vez, têm um caráter econômico restritivo, pois reduz tanto o consumo do setor público como o do setor privado. O resultado é que a produção não será estimulada e, consequentemente, o emprego também não. Com isso, a renda não circula nas mãos dos capitalistas nem nas dos trabalhadores, o que agrava ainda mais a arrecadação de tributos. O dinheiro retirado das mãos das pessoas, por ser destinado ao pagamento dos empréstimos, termina piorando a situação da economia. Se o Estado direcionasse os recursos para setores que efetivamente são necessários à população, a situação melhoraria, mas aí não seria o capitalismo.

No capitalismo o que ocorre é precisamente o contrário. O povo que sofra com as consequências da voracidade do capital. Nada de plebiscito na Grécia. O Papandreou, representante do povo e, como tal, queria ouvir a voz das massas, não aguentou a pressão e terminou por renunciar ao cargo. Em seu lugar cogita-se colocar ninguém menos de que o ex-vice-presidente do BCE, Lucas Papademos, ou o representante da Grécia no FMI, Panagiotis Rumeliotis.

Ao contrário do que conta a história, seja quem for o novo representante, além de não dar o Presente de Grego aos especuladores, vai dá-lo ao seu próprio povo, que pagará muito caro por isso.

Resta saber como eles reagirão contra sua criatura.



[i] Mestre em Economia, professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.).

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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O mundo refém dos especuladores

Semana de 24 a 30 de outubro de 2011

Nelson Rosas Ribeiro[i]

O grande entalo da situação econômica mundial continua o mesmo e no mesmo campo, o financeiro.

Isto não significa que a crise atual seja financeira. Ela é uma crise geral de superprodução que se apresenta sob a forma financeira. E não poderia ser de outro modo. O capital, em sua reprodução tem uma capacidade ilimitada de gerar riquezas, a ponto de ameaçar as próprias fronteiras do planeta. O problema está na forma de apropriação que lhe é inerente, ou seja, no caráter da apropriação capitalista, decorrente da forma de propriedade dos meios de produção.

Esta é a questão. A capacidade ilimitada de gerar riqueza conflita com a forma desigual de apropriação desta, que é concentradora de renda e limitadora da capacidade de consumo da grande maioria da população. O lema dos protestos nos EUA revela precisamente isto. “Nós somos 99% e eles são 1%”. “Fora Wall Street”.

Mas, como é possível que 1% domine 99%?

O “sistema democrático”, como nós o conhecemos, está falido. A imensa concentração da riqueza dá a poucos o poder de comprar, subornar, corromper partidos, políticos, parlamentares, juízes, governadores, presidentes além de gestores, engenheiros, economistas, jornalistas, psicólogos, advogados, marqueteiros, etc., toda esta multidão de profissionais necessários para por em movimento as engrenagens do sistema.

Só que toda esta engrenagem move-se na direção de concentrar cada vez mais a riqueza, acumular cada vez mais o capital nas mãos de poucos e é isto que se pretende garantir a qualquer custo. Mas, nos dias atuais, a produção de riqueza não assume apenas a forma material de bens e serviços. A sofisticação atual criou a forma de produzir uma mercadoria especial, a mercadoria-capital, que assume a forma de papeis, ações, títulos, promissórias, etc. Para esta produção não são necessários operários, equipamentos, matérias primas, fábricas, etc. Basta um computador e uma impressora e se produz qualquer volume de mercadoria-capital que se deseje. Depois estas mercadorias são vendidas no “mercado de capitais”, por comerciantes especializados chamados banqueiros. Ao comprar um desses papeis, compra-se um determinado direito a um rendimento. O milagre está concluído. Um pedaço de papel adquire a propriedade de criar valor e crescer. Eis o sonho dourado de qualquer capitalista que é bem empacotado e mistificado e passa a cegar o conjunto da sociedade.

Os possuidores dessa riqueza, chamada de capital fictício ou capital especulativo, que deveriam ser chamados de “especuladores”, mas que a nossa imprensa teima em chamar de “investidores”, compram e vendem estes papeis na busca desesperada do mais valor chamado de juros, dividendos, lucro, etc. e, com este objetivo, são capazes dos maiores desatinos e falcatruas. Quando a riqueza fictícia se afasta demais da riqueza material, dá-se o desastre, a ruptura, a falência, o calote. E aí vem o desespero e o apelo à intervenção dos estados para salvar os especuladores. É precisamente isto que está ocorrendo nos dias atuais. Depois de especularem com as ações, com os títulos hipotecários sub-prime, com os fundos de hedge e outros papeis e operações, com as commodities, os especuladores atiraram-se aos “títulos soberanos”, emitidos pelos governos dos países. E agora, estes também estouraram.

As soluções buscadas procuram repor os prejuízos das instituições financeiras e dos especuladores com recursos arrancados do povo, que nenhuma responsabilidade tem com a crise. Os debates que assistimos na UE, nos EUA, no FMI, levam às mesmas propostas de contenção dos gastos, dos salários, demissões, redução das despesas com saúde, educação, obras, etc. Todas são medidas agravam a desaceleração das economias, aumentam a concentração da riqueza e esmagam os rendimentos e o consumo das populações. Esta é a razão das revoltas e explosões de protestos que assistimos por todo o mundo e que devem continuar, pois não há outro caminho.

O que precisa é apenas a união dos 99% para liquidar o 1% que no momento são os algozes da humanidade.

“Fora Wall Street!”



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Os bancos e a inflação

Semana de 17 a 23 de outubro de 2011

Tatiana Losano de Abreu [i]

O primeiro acordo de Basiléia foi firmado em 1988 por mais de 100 países, com o objetivo de criar exigências mínimas de capital para reduzir os riscos de crédito. Devido a sua ineficácia, o acordo de Basiléia II foi assinado em 2004 com a definição de pilares e princípios sobre a contabilidade e supervisão bancária. Os resultados foram muito poucos. Este acordo foi insuficiente para conter a manifestação da crise no setor bancário em 2008. No ano passado, o terceiro acordo de Basiléia foi assinado com o objetivo de reformar a regulamentação bancária e obrigar os bancos a aumentarem suas reservas de capital para se protegerem de possíveis crises, ou seja, para evitar a situação atual. Segundo o comitê da Basiléia, responsável por supervisionar o cumprimento dos acordos, o Basiléia III ainda é um sonho, já que muitos países nem completaram a implementação do Basiléia II, como Estados Unidos, China, Rússia, Indonésia, Turquia e a Argentina.

Conscientes de que não é possível esperar que o sonho se torne realidade, os bancos europeus preocupam-se em garantir a credibilidade diante dos investidores. Os bancos da França, Reino Unido, Irlanda, Alemanha e Espanha anunciaram planos de, nos próximos 2 anos, encolherem cerca de 775 bilhões de euros, para reduzir as necessidades de financiamento de curto prazo e cumprir as exigências regulatórias mais rígidas de capitalização. Mas, a magnitude dos cortes está muito longe dos 2 trilhões de euros necessários para evitar a “ajuda” de seus governos ou da União Européia.

Diante deste cenário, são grandes as expectativas pelas deliberações da reunião do G20. Para Martin Wolf, comentarista econômico do jornal Financial Times, os elementos do pacote desejado são: “Consertar os bancos, consertar a Grécia e consertar os mercados de dívidas de outros países da região do euro mais enfraquecidos, mas, principalmente, despejar baldes de dinheiro por todos os lados”.

A afirmação deste prestigiado comentarista nos obriga a questionar: de onde sairiam tantos baldes de dinheiro? Esta mesma pergunta é feita pelos ocupantes de Wall Street e os Indignados, que questionam também a situação privilegiada do sistema financeiro global. Os protestos crescem a cada dia, numa demonstração clara do alto custo político das novas medidas para salvar o mercado financeiro às custas do povo. Mesmo assim, os banqueiros e outros representantes do sistema financeiro global se defendem, alegando que “chegou a hora de dividir a responsabilidade”. Em outras palavras, para encher os baldes de dinheiro é preciso arrancar as poucas moedas dos bolsos do povo, como já acontece com o povo grego que vai perder 14% da renda líquida no ano, devido aos aumentos dos impostos e da redução dos gastos.

No Brasil, as preocupações giram em torno da inflação e dos efeitos do “pouso forçado” da economia chinesa. O Banco Central (BACEN), prevendo o agravamento do cenário mundial, apostou novamente no afrouxamento da política monetária, definindo mais um corte na taxa Selic. A decisão, desta vez, não foi novidade. A expectativa de corte foi tão unânime ao ponto de especularem sobre o “vazamento de informações” na véspera da reunião.

Especulações a parte, já é certeza o desaquecimento da economia brasileira, que apresenta redução no ritmo de criação de empregos e de crescimento da Formação Bruta de Capital Fixo (5% a 6%), aquém do apresentado no ano passado (21,9%). Mesmo assim, alguns ortodoxos, encabeçados pelo FMI, continuam a criticar a posição do BACEN, alertando sobre o risco de descontrole da inflação que atualmente se situa em torno do limite superior da banda de tolerância, e a estimada, para 2012, permanece bem longe do centro da meta (4,5%).

Porém, já está constatado que os principais responsáveis pela forte elevação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2011, assim como foi em 2010, são os preços administrados, como a gasolina, as tarifas de ônibus urbanos e a taxa de água e esgoto. Para se ter idéia, de janeiro a outubro, os administrados avançaram 5,7% no IPCA-15, acima dos 5,5% registrados no IPCA “cheio”.

Sendo o governo, e não o mercado, o responsável pela alta dos preços cai por terra a desculpa para não baixar as taxas de juros.



[i] Economista, Professora substituta do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).

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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Quem pode mais em época de crise?

Semana de 10 a 16 de outubro de 2011

Rosângela Palhano Ramalho [i]

À medida que a globalização acentua a integração entre os países, a crise que incide sobre as principais economias capitalistas, expõe ao mundo a luta entre aqueles que tentam conquistar o poder e os que buscam se manter no poder. Todos se acham no direito de realizar um exame da crise econômica mundial e dar palpites de como sair dela.

Os países emergentes, temendo o contágio, aproveitam para defender a intervenção. Mantega, na reunião do G-20 que ocorrerá no início de novembro, defenderá a idéia de que só é possível minorar os efeitos da crise se os países optarem pelo estímulo ao emprego e à distribuição de renda, para gerar demanda e retomar o crescimento. Os europeus, que dizem não ter margem para esta manobra, defendem o uso de recursos do FMI e uma maior austeridade fiscal. Assim, os países em desenvolvimento querem, em troca dos recursos oferecidos, um maior poder decisório no FMI. Os europeus querem dinheiro, mas não querem perder o poder. O silêncio foi a resposta dos países do G-20, quando indagados pela França, sobre quais os esforços que cada um iria fazer para resolver a crise.

A queda de braços não cessa. Em meio à crise, a União Européia deu um ultimato aos EUA e China para que aderissem ao Protocolo de Kyoto, depois de 2012, sob a ameaça de a Europa abandonar o acordo de emissão de gases. Os europeus ainda se preocupam neste momento com uma possível conspiração contra a moeda única européia arquitetada pelos EUA que, segundo analistas franceses, querem continuar sendo os donos da moeda mundial. Segundo a UE, os EUA, mesmo em uma situação pior que os europeus, desejariam manter o controle efetivo, não só sobre o continente europeu, mas também sobre a economia mundial.

Os países afetados pela crise querem liberalização total da conta de capitais por parte dos emergentes, argumentando que assim se evita o protecionismo comercial praticado atualmente. Além disso, aconselham os Brics a reduzir o ritmo de acumulação das reservas para “um nível de precaução”. Os Brics não aceitam de forma nenhuma negociar esta questão, já que o nível de reservas internacionais serve como um colchão amortecedor em épocas de crise. Na verdade, a grande preocupação é com os US$ 3,2 trilhões das reservas chinesas.

Todos concordam que os emergentes já estão sendo afetados pela crise. A Europa e os EUA são responsáveis por 1/3 do comércio da Ásia, por exemplo, e segundo o órgão, o PIB da região deverá crescer 6,3%, este ano, contra 6,8% na previsão anterior. A China, já apresenta sinais de desaceleração. A queda no ritmo de crescimento das exportações chinesas está no segundo mês consecutivo, passando de 24,5% em agosto para 17,1% em setembro. E tem trazido dificuldades para as pequenas e médias empresas, que respondem por mais de 80% dos empregos do país e por mais da metade do PIB. A restrição de crédito que o governo chinês realizou ano passado, para combater a inflação, provocou o endividamento destas empresas com o mercado negro. Quase 20% do total do crédito no país correspondem a empréstimos de agiotas, de financeiras que reúnem capital de magnatas e de bancos estatais.

Segundo estimativas, há pelo menos US$ 600 bilhões de créditos podres no país e dados da Bloomberg dão conta de que, dos 15 incorporadores imobiliários mais endividados do mundo, 14 são chineses. O governo chinês está comprando ações dos bancos estatais para tentar injetar confiança no setor bancário e barrar a desaceleração.

No Brasil, a economia mostra sinais de desaceleração. No primeiro trimestre houve crescimento de 1,2%, no segundo 0,2% e no terceiro a previsão é zero ou até negativo. O Ministério da Fazenda vai divulgar a projeção de crescimento do PIB para este ano, rebaixando-a de 4%, para 3,8%. Esta é a última revisão da projeção do ano que se iniciou com 5%. O Banco Central estima uma taxa de 3,5% e a maioria dos analistas acredita que o PIB crescerá apenas 3%. Mas, segundo Mantega, o governo está no “controle”: “Esperamos que a atividade vá se acelerar no quarto trimestre, a economia brasileira tem condições de acelerar, se o governo quiser...”. Fica claro que o ministro acredita controlar a economia e que a crise econômica, fenômeno intrínseco ao capitalismo, pode ser debelada pelos seus atos.

Nunca é demais relembrar uma frase de Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, Banco Central americano: “...Sempre argumentarei que a política monetária é eficaz, a política fiscal sob certas condições é eficaz, mas nunca diria que as melhores políticas monetária e fiscal eliminarão um ciclo econômico. Elas não o farão...”.

2011 mostrou que Greenspan estava certo, mas Mantega ainda não aprendeu a lição.



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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sábado, 15 de outubro de 2011

O “Prêmio Nobel de Economia”

Semana de 03 a 09 de outubro de 2011

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Thomas J. Sargent e Christopher A. Sims foram laureados com o Prêmio SverigesRiksbank de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, ou, como é conhecido, “Prêmio Nobel de Economia”. Suas pesquisas se concentraram na identificação da relação de causa e efeito entre as políticas econômicas e a atividade econômica. Segundo o comunicado, eles “desenvolveram métodos para as numerosas perguntas sobre as relações de causalidade entre a política econômica e diferentes variáveis macroeconômicas como o PIB, a inflação, o emprego e os investidores”. Este título, porém, é concedido pelo Banco Central Sueco e a premiação é paga por ele. Isto porque o “Prêmio Nobel de Economia” não é reconhecido pela Família Nobel, que desde 1968, proibiu a criação de outros “Prêmios Nobel” de áreas que não foram criadas pelo próprio Alfred Nobel.

Voltando ao Prêmio de Economia de 2011, podemos encontrar nas pesquisas de Sargent e Sims teorias acerca da influência do governo sobre a economia. Dentre as possíveis medidas de política econômica (que fazem parte do conjunto de influências), existem as chamadas políticas anticíclicas, que têm como função, atualmente, eliminar os efeitos da crise econômica sobre os principais problemas macroeconômicos: desemprego, inflação, dívida pública, etc. Mas disto a gente já sabe. Sabemos também qual o efeito causado por tais medidas: o déficit estratosférico dos EUA e dos PIIGS. Além disso, alertamos para a possível catástrofe que a ajuda dos Estados, por meio de outros Estados, pode causar.

O fato para o qual queremos chamar a atenção agora é o de que, apesar de toda intervenção, o Estado capitalista não tem a capacidade de eliminar os efeitos das leis do sistema, pois não age sobre suas causas. Mas nem poderia, caso contrário estaria eliminando o próprio capitalismo.

No modo de produção em que vivemos, a circulação da riqueza se distingue das anteriores, dentre outras coisas, pelo objetivo final da produção. A humanidade se organizou espontaneamente, de várias formas, para produzir e distribuir suas riquezas e, até antes do nascimento do capital, todas estas formas visavam a manutenção dos próprios indivíduos.

Mas, graças ao desenvolvimento do conhecimento científico, se tornou possível ao homem se manter sem se preocupar com a reprodução da espécie. O capitalismo surgiu deste contexto, na medida em que a produção e a circulação das riquezas deixaram de ter como objetivo a satisfação dos indivíduos e passaram a depender da obtenção, ou não, de lucro, juros e rendas. A essência da circulação da riqueza, desde a Revolução Industrial, é a apropriação privada do que podemos chamar de valor. É o valor sob a forma de lucro, dividendos, juros, etc. que move o mundo, desde então. Exemplo disto é a quase falência da General Motors, que, no início da crise atual, pretendia fechar suas portas, não por produzir veículos de má qualidade, mas porque a produção dos veículos deixou de ser lucrativa.

Além disso, é também o valor quem determina o comportamento das pessoas, já que é por meio delas que os fenômenos econômicos se manifestam (se não fosse através do capitalista, o investimento e o capital não poderiam existir). O desespero atual dos banqueiros e dos “analistas do mercado” diante da possibilidade de calote dos Estados e a perda do hospedeiro para parasitar é também exemplo disto. Para completar nosso quadro, dentre outros determinantes, quem detiver maior parte da substância motora da ação humana, a riqueza, terá também maior parte do poder político. Sendo assim, não podemos esperar que o Estado acabe com as características do sistema atual, pois ele é um reflexo do domínio econômico. Pelo contrário, ele vai fazer de tudo para que a situação se mantenha a mesma, já que os governantes querem se manter no poder. Isto foi o que vimos na reação dos governos diante da crise: aumento de impostos, redução dos salários, empréstimos às empresas, etc.

Mas, não é simplesmente uma questão do Estado querer mudar a economia. Na realidade a produção e a distribuição de riqueza são atos sociais, só ocorrem por meio da cooperação/divisão do trabalho. Isto torna os indivíduos parte de uma engrenagem que determina seu comportamento e que existe antes mesmo deles nascerem.

Caso a sociedade, como um todo, não mude a forma como produz e distribui sua riqueza, ou seja, mude as relações de produção, as mazelas enfrentadas por todos nós serão as mesmas e nem todos os ganhadores do “Prêmio Nobel de Economia”, juntos conseguirão alterar os resultados.



[i] Mestre em Economia, professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.).

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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Há almoço grátis. Para a banca

Folha de São Paulo: 11 outubro de 2011 CLÓVIS ROSSI

Há almoço grátis. Para a banca


O banco Dexia errou duas vezes, mas nem por isso os governos deixam de socorrê-lo com novo pacote


E lá vem de novo o sétimo de cavalaria para salvar não os mocinhos, mas os bandidos, digo os banqueiros. No caso, é o Dexia, o conglomerado franco-belga-luxemburguês, a ser socorrido -pela segunda vez- pelos governos dos três países.

Na prática, é o exato inverso do slogan "Ocupe Wall Street" que ganha adeptos nos EUA. O que os governos estão fazendo é financiar Wall Street ou, no caso específico do Dexia, a Place Rougier de Bruxelas, onde fica a sede central do banco.
É um claro desafio à regra básica do capitalismo, a de que "não há almoço grátis". Para a banca, não há apenas almoço grátis, mas também janta.

Afinal, o Dexia já havia sido socorrido em 2008, com imponentes € 6 bilhões. É um pouco menos do que os € 8 bilhões que a Grécia é obrigada a mendigar para poder pagar os salários de outubro de seus funcionários, entre outras contas, e que compõem a última fatia do crédito concedido por União Europeia/FMI para resgatar o país.

Diferença fundamental: o crédito à Grécia está amarrado a duríssimas condições que, entre outras tragédias, levaram a um aumento de 40% no número de suicídios nos cinco primeiros meses de 2011, na comparação com 2010. Uma linha telefônica para desesperados dispostos ao suicídio passou a receber mais de 100 chamadas por dia, quando a média normal era de 10.

Não consta que algum banqueiro tenha tentado o suicídio. Já estou até ouvindo o resmungar dos economistas de bancos e de seus amigos na mídia me acusando de demagogo por fazer esse tipo de comparação. Sacarão do coldre, como é de praxe, o argumento maroto de que banco não pode quebrar porque seria um prejuízo para todo o mundo, inclusive para suicidas em potencial.

Não se trata de pregar a estatização do sistema financeiro global, até porque banqueiros a soldo do Estado não pecam menos -nem mais- que os banqueiros privados. O problema está na recorrente estatização dos prejuízos, como ocorre agora no caso do Dexia, e na privatização do lucro. Assim até eu quero ser capitalista.

Não faz sentido o Estado ajudar a banca e não assumir o controle da gestão. Acaba sendo um convite para que os erros que levaram ao primeiro auxílio governamental se repitam e obriguem a um segundo pacote, como acontece com o Dexia.

Tampouco faz sentido permitir que bancos que só não quebraram porque entrou dinheiro público, na crise de 2008, continuem pagando salários e bônus obscenamente altos para os executivos que os arruinaram. Deveriam responder com o seu patrimônio pelos prejuízos.

Menos mal que duas figuras políticas relevantes estejam cobrando algo parecido. A presidente Dilma Rousseff, que quer que o G20 adote regulação estrita para o "descontrolado" sistema financeiro, e o presidente do Partido Social Democrata alemão, Sigmar Gabriel, para quem a palavra de ordem deve ser: "Nenhum centavo do Estado para salvar um único banco, a menos que aplique reformas profundas em seu modo de operar". Para Gabriel, a crise bancária está colocando para o mundo uma escolha entre "democracia ou o domínio das finanças". O que você escolhe?

crossi@uol.com.br

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sábado, 8 de outubro de 2011

Dólar sobe, real desce

Semana de 26 de setembro a 02 de outubro de 2011

Nelson Rosas Ribeiro[i]

De repente, lá se vai o real ladeira abaixo. Logo após a histórica e inesperada redução de 0,5% da taxa Selic, pelo Copom, e da divulgação da ata da reunião, começou o pânico: o dólar subiu sua cotação em reais e, consequentemente, a moeda nacional iniciou o seu processo de desvalorização. Como é possível se, ao que dizem as autoridades, a economia mundial está em crise, mas o Brasil não. Afinal, os fundamentos de nossa economia são robustos, e temos muita munição para enfrentar a catástrofe se ela por cá aparecer.

Estamos diante de mais uma prova do grau de manipulação do “mercado”, que opera criminosa e impunemente dentro das bolsas de valores onde se reúnem as mais inescrupulosas quadrilhas de assaltantes que sugam o suor e o sangue da humanidade. Além da redução de 0,5%, o Copom apontou para a possibilidade de novas reduções futuras. Com isto, instalou-se o efeito manada.

Mas, que relação poderia haver entre a redução dos juros e a cotação do câmbio?

Para nós, humildes mortais, a relação não parece lógica. O nível dos juros afeta a procura de empréstimos. Quanto mais elevados os juros, menor é o estímulo à produção e ao consumo. Quanto à taxa de câmbio, em um país que adota “a absoluta liberdade de movimento de capitais e o sagrado regime de flutuação imaculada” (nas palavras de Delfim Neto), o problema resume-se à lei da oferta e da procura. Se a procura por dólar aumenta e a oferta não acompanha, a moeda sobe de preço, isto é, o real se desvaloriza.

Mas, qual terá sido o motivo que fez a procura disparar, em poucos dias, fazendo o dólar passar, do nível de 1,60, para 1,90?

Pelo que se sabe, a balança de pagamentos vem tendo o comportamento habitual, com os déficits de praxe, e a balança comercial também mantém seus superávits. Tanto a entrada como a saída de divisas do país continuam dentro da normalidade.

De onde virá o temor que abala os “mercados”?

Ele é fruto dos movimentos dos capitais especulativos. A ameaça de sucessivas reduções na Selic apavorou os capitais que para cá vieram em busca da diferença de juros, provocando a necessidade da reconversão de reais em dólares, visando o seu retorno. Por outro lado, os agentes econômicos, que jogavam com a valorização do real, diante da iminente desvalorização, correram para passar das posições vendidas (operações em que se vendem dólares para entrega futura), para as posições compradas (quando se compra agora para recebimento futuro). Anteriormente, os bancos, apostando na valorização do real, procuravam aumentar suas carteiras de vendas de dólares para entrega futura. Com estas operações os agentes vendem, a preços atuais, dólares que não possuem, e quanto tiverem de fazer a entrega, posteriormente, compram-nos a preços mais baixos, embolsando a diferença.

Inesperadamente, a mudança da política do Banco Central (BC) trouxe o medo da valorização da moeda estrangeira o que levou todos, em manada, a tentarem comprar o máximo, antes que a cotação subisse, passando às posições compradas. Acrescente-se a isto o aumento da demanda para remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras, pressionadas pela necessidade de liquidez em suas matrizes, e a antecipação de compras por todos os que tinham compromissos em dólares, ou pretendiam viajar para o exterior, e estará completo o quadro que vem provocando a valorização absurda da moeda americana.

O setor industrial festeja a valorização, pois melhoram as condições de competição, embora ainda não seja o bastante para compensar as perdas sofridas. O embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC) Roberto Azevedo afirmou, em um seminário, que entre 2001 e 2008 a valorização do real foi de tal ordem que, para ser compensada, exigiria uma tarifa de importação de 180%.

Aliás, o real valorizado vinha favorecendo as importações que abasteciam a forte demanda do mercado interno, que vinha sendo empurrada pela política de distribuição de renda, pelo aumento do nível de salários e do emprego. Desse modo, o efeito de estimulo à produção, que a política econômica desenvolvimentista criava, era transferido para fora do país, favorecendo outras economias, como a chinesa. Para reverter a situação, o governo deu uma grande reviravolta na política econômica aumentando os impostos, que incidiam nas vendas de veículos com menos de 65% de nacionalização, e agora pretende estender esta medida às máquinas adquiridas através do Pronaf e aos notebooks. As indústrias de calçados e têxteis passaram também a ter um incentivo através da vantagem de 8% nos preços, nas licitações feitas pelo estado.

Enquanto o governo procura defender a economia do país, a crise desaba lá fora com violência cada vez maior. O iminente colapso do banco franco-blega DEXIA, revela a debilidade do sistema bancário que está à beira da falência.

Mais uma a vez, a solução que se procura adotar vai na direção de proteger o capital financeiro, aumentando a liquidez dos bancos, e jogando sobre o povo o rigor das medidas de contenção que provocam desemprego, redução de salários e do consumo, e a desaceleração da economia. A situação vai provocar cada vez mais revoltas que deverão ser reprimidas com violência aumentando os conflitos sociais.

Este á o quadro que o futuro nos reserva. Preparemo-nos então.



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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